14/09/2010

O que pensa Prakash Ratilal

Ponto de vista do economista Prakash Ratilal (*) em exclusivo ao “Notícias” de Maputo
suplemento "Economia e Negócios" de 10 Setembro de 2010

Ganhou-se um espaço para restabelecer a vida

1 - Quais os impactos das medidas do Governo, vistas do lado do sistema financeiro
      Prakash Ratilal (PR) - Não possuo instrumentos para, em tão pouco tempo, avaliar os impactos destas medidas de emergência no sistema financeiro, em resposta a acontecimentos de elevada gravidade social e política. Depois de mortes e feridos, destruição de activos privados e bens públicos, o Governo reconsiderou algumas medidas que, se tivessem sido implementadas como preconizadas, iriam prejudicar a já depauperada vida das populações mais vulneráveis. Pela reacção das pessoas e dos media parece ser consensual que as medidas anunciadas pelo Governo no dia 7 de Setembro trouxeram algum alívio imediato para toda a sociedade, mesmo que transitório. Ganhou-se um espaço de tranquilidade para restabelecer a normalidade da vida. Isso facilita a busca de soluções para os sérios problemas que o País enfrenta.

Estas são algumas das disfunções que carateriza o nosso País. Isto não é novo, nem surgiu nos últimos anos. O diagnóstico já foi feito há muitos anos. A agravar esta situação, o pouco que se produz, não é distribuido equitativamente. As desigualdades, principalmente nas cidades, cresceram de forma alarmante. Não havendo mecanismos de prevenção, o nosso Pais que é admirado no mundo inteiro como caso de sucesso contínuo, e as estatísticas assim o demonstravam, de um dia para outro descambou! E a violência ressurgiu.
Na minha opinião, os problemas que o País enfrenta são de natureza estrutural: (i) todos os anos registamos défices substanciais na balança de pagamentos, o que significa que o País importa muito mais do que exporta e (ii) as despesas do Estado são sistematicamente superiores `as receitas próprias. É conhecido o facto de que cerca de metade das despesas do Estado é paga pelos parceiros internacionais, muitos dos quais vivem a sua própria crise – alguns deles apertaram de tal forma os respectivos cintos que poderá suceder que não consigam continuar a dar o seu apoio solidário ao nosso País.
Alguns governos europeus deliberaram que os seus membros de Governo circulem nos transportes públicos e viagem na classe económica. No nosso País, estes desequilíbrios sucedem-se ao longo dos anos porque o sector produtivo está a produzir muito pouco. De facto, o nosso País está a consumir mais do que efectivamente está a ser produzido. Apesar de recursos naturais que possui, a economia é caracterizada por comércio que importa grande parte do que consome. Ao consumirmos de outros países contribuímos objectivamente para a geração de emprego noutros Países.

      As estatísticas que são essenciais aos diversos instrumentos de análise, muitas vezes são enganadoras. Com efeito, a média estatística de 2 pessoas que comem 2 pães por dia, dá um pão per capita, ou seja, em média cada um come um pão por dia. Se um deles come 1 pão e meio, o outro come apenas meio pão, mas a média estatística continua a dizer que cada um come um pão por dia. E, se um deles comer um pão e três quartos, o outro apenas come um quarto de pão, mas a estatística continua a registar que em média cada um come um pão por dia. Não é difícil imaginar o que sucederá num ambiente de ganância extrema e de falta de moderação, quando um deles come 2 pães.... A estatística continua certa, não está errada, mas a sua interpretação indevida pode conduzir a situações graves como aquela que sucedeu na semana passada.

      Alguns, menos precavidos, sem se certificarem se os indicadores reflectiam a dinâmica da sociedade, usaram e abusaram destas estatísticas e divulgaram os resultados médios como constituindo sucesso inquestionável, que se iria repetir indefinidamente. Ora, por detrás das estatísticas, há as pessoas, há os activos, há os actores económicos, sociais e culturais, há os interesses diversos, por vezes contraditórios, há os constrangimentos, há as limitações, há a dinâmica de grupos e a da sociedade. Ora, perante o excessivo aperto, os mais frágeis, os que nada tinham a perder, elevaram bem alto o seu grito, reagindo contra a subida do preço dos bens essenciais. E reclamaram contra a subida de 1 metical por pão. Isso corresponde a menos de 3 cêntimos do dólar, um montante certamente desprezível nos padrões ocidentais, mas no nosso País é a dimensão real da nossa pobreza, da nossa fragilidade, é o limiar da nossa vulnerabilidade.

De forma recorrente, muitos economistas, diversos empresários e outros profissionais têm-se referido a estes desequilíbrios estruturais na economia, que aflige a todos. Esta situação foi profundamente debatida e tratada na Agenda 2025 que, infelizmente, foi relegada para terceiro plano. Na minha opinião, o que se passou agora e anteriormente em 5 de Fevereiro, exige uma reflexão profunda e um amplo consenso sobre os caminhos a seguir. Na sequência, será necessária uma forte intervenção do Estado como indutor do desenvolvimento, principalmente no fomento da produção, da produtividade e da melhoria da circulação de bens. Naturalmente que, para assegurar o equilíbrio e a coesão social, a partir de agora, para além de anunciar as variações do PIB e de outras grandezas macroeconómicas é imperativo analisar com regularidade a estrutura do Rendimento Nacional, ou seja como se forma e como se distribui o rendimento nacional pelas empresas, pelas famílias ....  pelos cidadãos.

Sabe-se que o busílis está na microeconomia que está a funcionar com imensas dificuldades e inúmeros constrangimentos, externos e internos. E, ao longo dos anos, não se têm visto resultados palpáveis neste segmento. Daí o crescimento espectacular do sector informal, que ao não pagar impostos, atrofia ainda mais o funcionamento da economia. Sei que, ao defender maior papel interventor do Estado na superação das falhas do mercado, e como promotor do desenvolvimento, estou a remar contra alguns que defendem as ideias do neoliberalismo, puro e duro. A verdade é que as suas receitas neoliberais falharam redondamente em Moçambique, e também em muitíssimos outros países. Daí que depois de muitos bilhões de dólares injectados na economia moçambicana, esta continua atolada com os desequilíbrios referidos. Todos estamos de acordo com as regras de disciplina e controle orçamental, dos câmbios flexíveis, do controle da emissão monetária e de outros elementos essenciais que sustentam os fundamentos de uma economia. Contudo, os desafios presentes exigem que tenhamos coragem para irmos mais longe. Juntos podemos encontrar novos caminhos que promovam maior sustentabilidade ao nosso País, que sabemos possuir imensos recursos.

Dadas as condições históricas em que vivemos e a realidade presente, em minha opinião, devemos buscar novos caminhos de desenvolvimento. Caminhos estratégicos, que sejam o mais possível consensual, abrangente e inclusivo. Mas isso implica maior diálogo, diálogo competente, diálogo efectivo que produza resultados. Isso requer juntar muitas cabeças válidas que também amam Moçambique. E os parceiros de desenvolvimento devem apoiar estas mudanças que a economia requer e que nos conduzam a gradualmente superar estes desequilíbrios estruturais.

Se o setor privado é a força principal para estas mudanças então que esta seja apoiada substantivamente, sem complexos e com base nas competências e no mérito. Se a prioridade é a agricultura e dentro desta a produção de alimentos, então que seja este sector a receber amplos recursos financeiros e capacidades disponíveis. Se o crédito bancário para o sector agrícola decresceu drasticamente e apenas corresponde a 9% do crédito total, os recursos financeiros disponíveis para este sector têm que ser incrementados substancialmente. Se os bancos não podem fazer melhor devido aos riscos associados à produção agrária, é preciso encontrar a solução. Continuo a não entender porque não se estudam as vantagens e os inconvenientes de se implantar um banco de desenvolvimento, gerido profissionalmente e sem interferência política, com foco na alavancagem do processo produtivo e na modernização das pequenas e médias empresas. Estes bancos de desenvolvimento, operando através de bancos comerciais e de outros agentes financeiros, são a base do sucesso do Brasil, da África do Sul, da Malásia, da Indonésia e de tantos outros países. Este instrumento, a par de outros de requisitos institucionais e de políticas públicas associadas parecem-me centrais no sucesso da microeconomia.

2 - Que resultados se podem esperar do lado das empresas neste conjunto de medidas. Por exemplo empresas de produção alimentar, por um lado e, por outro lado, empresas produtoras de diversos bens e serviços?
PR. Tanto quanto percebi, as medidas anunciadas não se traduzem em acções que, por si só, irão vitalizar a produção de alimentos. Anteriormente, referi que a economia moçambicana enfrenta sérios desequilíbrios estruturais que nem a implementação, em anos sucessivos, das políticas sugeridas pelo FMI e pelo Banco Mundial conseguiram reverter.

Ora, problemas estruturais requerem soluções estruturais. A situação é tão difícil que não me parece que haja remédios milagrosos. O petróleo no mercado internacional apesar de estabilizado no patamar à volta dos US$ 70 por barril ainda é bastante alto para as capacidades financeiras do nosso País, e o preço do petróleo pode voltar a subir ainda mais. Igualmente, não possuímos controle do preço do trigo nem do arroz, nem dos diversos produtos que importamos.

Eu poderia ser simpático e colorir a situação, mas sendo honesto acho que não se deve escamotear. A situação real é difícil. A saída dela requer esforço conjunto e exige diagnóstico fiável. Por isso, falar verdade é uma exigência, para o bem de todos, para o bem do nosso País. As soluções para os problemas imediatos passam por serem tomadas medidas políticas e institucionais concretas e adequadas, conducentes ao crescimento da produção e da produtividade.

Na minha opinião, e já tenho dito e escrito reiteradas vezes, a luta contra a pobreza não deve continuar exclusivamente a ser feita através da distribuição gratuita de bens sociais por via da educação e da saúde e dos serviços sociais. Para ser sustentável, creio que a luta contra a pobreza tem que ser efectuada em simultâneo com a geração da riqueza, da criação do emprego e do auto-emprego. Há um ditado que diz: “não dê peixe, dê cana e ensine a pescar”.

A manutenção do emprego e a geração de novos empregos é também o maior problema de hoje da Administração Obama nos EUA e nos países europeus. Nos EUA assiste-se a um crescimento, embora modesto, mas o desemprego não tem diminuído, permanece a patamares elevadíssimos superiores a 15%. O controle do défice público e  criação de emprego constituem a prioridade maior da sua política económica. Idem para a Europa.

Criar mais emprego e auto-emprego parece-me ser o único caminho para tornar o nosso País sustentável, para gradualmente reduzirmos a excessiva dependência que temos de donativos que generosamente nos são oferecidos pela comunidade internacional. Por isso, trata-se de ajustar o modelo económico para suprir o que ainda não se efectua. E isso, levará tempo a maturar e a gerar resultados palpáveis. É evidente que não se trata de começar do zero. O País existe, há progresso visível em muitas áreas particularmente nas infraestruturas e nos grandes projectos de desenvolvimento no sector da energia e de minas. O futuro de longo prazo é certamente promissor, é brilhante. Mas, para as famílias e para os agentes económicos o que mais conta é o dia-a-dia e o curto prazo.

Pode-se estimar que ao longo de um período transitório mais ou menos longo, poderão eventualmente ocorrer outras convulsões sociais, na medida em que não parece possível, no curto prazo, reverter a pobreza e satisfazer as necessidades crescentes da população. Quaisquer medidas, mesmo se implementadas nos próximos meses, só irão gerar efeitos e resultados concretos, a médio e a longo prazo. Creio que todos devemos assumir esta realidade. Apesar desta possibilidade sombria ainda pairar sobre nós é preciso agir com determinação para reverter a situação.

Neste quadro, ao eliminar o espetro de uma crise social e política aguda, o  Governo passou a ser percebido como estando a defender o interesse público e o interesse nacional.

Ao conter as regalias dos dirigentes superiores do Estado, ao dar sinais de que se pretende eliminar o fausto e o supérfluo, o Governo assumiu compromissos de praticar a austeridade e a poupança o que é fundamental neste tempo de ´vacas magras´. Embora o corte nas mordomias e de outras despesas faustosas do Estado não contribuam significativamente para a alteração qualitativa da vida das populações, constitui um exemplo de moralização do poder, de maior responsabilidade e rigor no uso de fundos do orçamento de Estado, parte dos quais são provenientes do exterior. Efectivamente um poder austero engrandece os seus titulares e facilita o diálogo com os demais actores sociais e económicos que enfrentam carências.

O povo moçambicano, nos sucessivos anos da guerra, na época do carapau e da couve, enfrentou imensas carências e aceitou fazer imensos sacrifícios. Mas vigorava um ambiente de menor desigualdade social, havia uma percepção generalizada de que os dirigentes e os demais representantes do Estado eram impolutos e se preocupavam com as condições de vida das populações. Na minha óptica, o exemplo agora demonstrado pelo nosso Governo, que é de louvar e de incentivar que se continue, fortalece o poder dos representantes do Estado, e é fundamental para atravessarmos este período de transição até que os resultados de uma acção profunda e concertada gerem resultados abrangentes. Resultados palpáveis no sector produtivo, em particular na produção alimentar competitiva. Enfatizo a palavra competitiva, pois não devemos produzir a preços e qualidade muito diferente daqueles que o mercado mundial nos fornece, em condições de mercados cada vez mais abertos à escala mundial.

3 - Influentes círculos de opinião advogam estarmos em presença de medidas não sustentáveis e de fórum eminentemente políticas. Onde o Governo vai buscar o dinheiro para cobrir subsídios?
PR: Ninguém possui uma varinha mágica. Nem o Estado possui recursos excedentários. Alguns projectos irão sofrer atrasos na sua implementação, os seus fundos serão desviados para se acorrer a estes subsídios. Ou o Estado poderá recorrer a empréstimos para custear o défice público, Cada ano, os custos de juros irão aumentar, reduzindo ainda mais a capacidade de o Estado realizar despesas para sectores como educação e a saúde. Se o preço do petróleo subir demasiadamente à escala mundial (e isso vai acontecer logo que se verificar a retoma da economia mundial) admito que o orçamento do nosso Estado poderá não ter fundos para subsidiar os preços internos.

Nestas condições o que fazer? Será forçoso aumentar os preços internos e provavelmente sem subsídios. Qual então a saída? Só vejo uma: agir para fazer crescer a produção e a produtividade. E porque é que esta não cresce apesar de apelos constantes neste sentido? É porque há imensos obstáculos técnicos, institucionais, incoerência nas políticas e regulamentos, há imensa burocracia, há elevados custos de transação que encarecem a acção produtiva, os processos judiciais são longos. Isso tudo impede que a produção aconteça no tempo e na qualidade requerida. Mas, apesar de não haver produção interna, o consumo interno não deixa de se realizar. Como consequência, aumenta a aquisição de bens no estrangeiro. Ao sermos consumidores de produtos estrangeiros, estamos a contribuir para criar emprego noutros países. O que fazer, então, para se produzir internamente e se criar emprego no País? Não possuo respostas sozinho. Não creio que alguém por si só tenha respostas para superar a presente situação e criar condições de sustentabilidade social e económica.

As medidas recentes do Governo criaram um espaço de tranquilidade e de relativa paz social que permite uma reflexão alargada e para a busca de soluções. O sentido de Estado e a humildade com que o Governo anunciou as medidas que o Povo aclamou, faz-me crer que se vai prosseguir no sentido de se ampliar o debate interno, principalmente no plano científico, técnico e profissional, para juntos  encontrarmos os caminhos a serem trilhados.

A direção parece clara: continuar a cortar nas mordomias e noutras despesas faustosas do Estado e investir nos motores do desenvolvimento: a ciência, a tecnologia e a inovação e estímulos para criação de mais competências, infraestruturas comerciais e gerar produção competitiva (capazes de produzirem mais do que custam), concentrar acções nos sectores que criam mais emprego e aumentam as exportações. Parece-me claro que os recursos e o esforço essencial deve ser canalizado para viabilizar a produção competitiva: conceber programas de apoio às acções de empreendedorismo e de auto-emprego, criar incubadoras para novas empresas saberem lidar com o mercado, conceder incentivos fiscais, assegurar flexibilidade laboral, estímulos para ensino técnico-profissional e formação e mais formação como nunca.

Creio que se deve assumir que qualquer acção profunda que seja empreendida a partir de agora só irá gerar resultados essencialmente a médio e longo prazos. Com a globalização fica cada vez mais claro que nenhum governo pode enfrentar sozinho os desafios que se colocam à sua frente. Precisa de fazer alianças e construir parcerias com os vários segmentos da sociedade, designadamente com os institutos de investigação, com a sociedade civil, com os intelectuais, com os media, com as associações socioprofissionais e com todos os outros que, sendo nacionais, contribuam para traçar os passos seguintes nos caminhos do progresso. Reflectir sobre a superação dos obstáculos ao crescimento da produção requer envolvimento de muitos para gerar competência específica. Amplo consenso pode não resolver todos os problemas, mas pelo menos haverá muito mais gente a contribuir para concretizar os caminhos traçados de forma inclusiva, e com maior competência nacional. Estou a ler um livro que refere que o presidente Sarkozy da França designou uma Comissão presidida por Jacques Attali (ex-Conselheiro do Presidente Miterrand) para apresentar propostas que eliminem os obstáculos ao crescimento económico. Ora, isto sucede na 4ª ou a 5ª economia mundo...

Na minha modesta opinião, parece-me fundamental juntar o máximo possível das competências nacionais. Por isso, acho oportuno e pertinente que as melhores cabeças moçambicanas, os institutos de pesquisa, pessoas experimentadas e credíveis, sejam convocadas no âmbito nacional para juntos produzirem as ideias que seriam transformadas em políticas e projectos de acção imediata para impulsionar a microeconomia. Não se trata de elaborar teses ou tratados de economia. Trata-se de canalizar ideias, iniciativas e projectos que, devidamente harmonizadas pelo Governo, sirvam de alavanca para um salto qualitativo na produção e produtividade no nosso País.

A qualidade técnica e profissional da liderança deste grupo e seu peso na sociedade moçambicana, trabalhando em estreita coordenação com o Governo, certamente que iria prestar um contributo inestimável ao País porque as suas recomendações terão efeitos em anos vindouros.

E, com devido respeito aos especialistas das instituições respeitáveis de Bretton Woods, e aos diversos centros de cooperação dos doadores/parceiros da cooperação, cuja atitude é muito generosa e de grande utilidade, isso em si não significa, substituir-se aos moçambicanos. Acho que os nossos parceiros devem dar espaço maior aos especialistas e técnicos moçambicanos, que conhecem o País, possuem experiências e saberes e que, mesmo plano internacional, demonstram possuir elevado gabarito.

4 - O Dr. tem se pronunciado várias vezes e publicamente sobre a crise financeira internacional. O que pesa mais na presente situação de Moçambique. Serão factores internos ou externos? Não terão sido subestimados os efeitos da crise?
PR: O que se está a passar ao nível mundial é extremamente grave. A crise internacional iniciada nos finais de 2008, gerou efeitos directos na inflação e nas taxas de câmbio à escala mundial, e no crescimento económico dos países. Moçambique não escapou da crise: o efeito mais pernicioso foi o da deterioração do défice da balança comercial e de transacções correntes em 2009, por via da redução das exportações, por causa da queda importante nos preços do mercado internacional, e da sua procura em quantidade; outro efeito negativo, a queda dos fluxos de capitais privados estrangeiros, apenas seguiu a tendência iniciada no ano anterior, em 2008.

O Dr. Dipac Jaiantilal, na sua entrevista ao Savana na semana passada, refere que “há efeitos importantes da crise internacional nas nossas exportações, mas a recente alta de preços e desvalorização rápida não se devem a essencialmente aos efeitos desta crise. Pelo contrário, o pressuposto para as mudanças recentes de política macroeconómica pelas autoridades e o FMI foi precisamente que a crise internacional já estaria a passar”.

Nem todos os economistas à escala mundial estão de acordo que estamos no fim da crise internacional. P. Krugman e J. Stiglitz ambos prémios Nobel de economia e outros economistas de renome prevêem cenários internacionais de curto prazo de tipo W, ou de dupla recessão, intermediadas por melhorias temporárias, e provavelmente uma sequência de múltiplas recessões.

Assistem-se sinais de sérias perturbações no mercado imobiliário americano e no mercado laboral no qual o desemprego não está a decrescer apesar das centenas de biliões de dólares injectados na economia. Os EUA reviram em baixa o crescimento do último trimestre para 1.6%, o que é insuficiente para reduzir o desemprego que continuava em dois dígitos. Na tentativa de defender a zona do Euro, economistas divergem quanto às políticas de rigor e disciplina orçamental, de redução da dívida pública interna que os países Europeus estão a levar a cabo e que podem agravar a crise. Outros economistas defendem que não se deve continuar a manter indefinidamente as politicas expansionistas da administração americana, por isso gerar o crescimento insustentável da dívida pública interna e consequentemente maiores recursos financeiros para gastos públicos e menos para a produção. Países da União Europeia vivem momentos difíceis, em particular nos chamados PIIGS – Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. O Japão continua estagnado. Única excepção é o que esta a acontecer nos países “emergentes” como a China, Índia e o Brasil que mantêm elevadas taxas de crescimento e possuem excedentes consideráveis nas suas balanças de pagamento.

Enquanto não se verificar a retoma nesses países industrializados, que geram repercussões no resto das economias do mundo, economistas moçambicanos abalizados veem com muita apreensão o cenário de curto e médio prazo da economia moçambicana, não apenas pelos efeitos nefastos do prolongar da crise mundial como também pela excessiva depreciação da moeda nacional, sem que haja recursos alternativos. Isso é agravado pelo ambiente de crispação que ainda se sente com os principais doadores e financiadores da nossa economia.

Na saída da nossa crise, é fundamental restabelecer a confiança na moeda nacional através da sua rápida estabilização. Medidas monetárias e cambiais descontextualizadas e não acompanhadas por medidas na economia real poderão gerar efeitos distorcidos. A aposta continua a ser na estruturação e apoio contínuo e consistente aos diversos sectores produtivos. As micro, pequenas e médias empresas possuem imensas reservas para sustentar o rápido crescimento da produção nacional e das exportações. Sem crescimento das empresas nacionais será difícil sustentar o tecido económico do País e assegurar o emprego de forma crescente. O ímpeto da juventude deve ser canalizado para actividades produtivas, para a geração do emprego e do auto-emprego.

No plano regional devemos, em minha opinião, acelerar os passos para uma maior integração regional, em condições de interdependência, assegurar maior circulação de capitais, maior facilidade de circulação de pessoas e bens. Isso também faz crescer a produção. Não sei se não seria altura oportuna para relançar o debate sobre o apoio aos nossos emigrantes (há países cujas receitas principais em divisas provêm dos seus cidadãos residentes no estrangeiro) e o debate acerca de uma política selectiva de imigração. Tudo isto e muito mais coisas que não cabem nesta entrevista, contribui para o aumento da produção e da produtividade.

Assim, a responsabilidade para assegurar a  paz e a tranquilidade social no nosso País  compete ao Governo, aos partidos e à sociedade civil , em diálogo permanente e efectivo e ampla consulta às respectivas constituências. Estas organizações e cada um de nós têm um papel central na educação civica e patriótica, no respeito dos bens públicos e privados, que garantem adequada convivência e harmonia social.

(*) empresário e banqueiro do MozaBanco, antigo presidente de bancos do Estado moçambicano e simpatizante do MRPP antes do 25 de Abril