02/12/2010

A falta de juízo

A história conta-se em poucas linhas: um agente da PSP surpreendeu um magistrado do Ministério Público a conduzir e a falar ao telemóvel.

Segundo o DN, o "Ministério Público iliba magistrado que insultou agente da PSP por lhe ter passado uma multa de trânsito."

Um agente da PSP surpreendeu um magistrado a conduzir e a falar ao telemóvel. O polícia intercetou o procurador e autuou-o. Mas o infrator não gostou e bombardeou-o com palavrões e ameaças. A Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) considera não haver crime de injúrias ou ameaças e arquivou a queixa que o agente da PSP apresentou contra o magistrado.

"Eu não pago nada, apreenda-me tudo, car... Estou a divorciar-me, já tenho problemas que cheguem. Não gosto nada de me identificar com este cartão, mas sou procurador. Não pago e não assino. Ai você quer vingança, então o agente Frederico ainda vai ouvir falar de mim. Quero a sua identificação e o seu local de trabalho", disse o infrator ao polícia"."

[Bem, depois disto, é caso para dizermos aos senhores policias que estão a fazer o seu trabalho: "O senhor não me incomode, estou desempregado, a minha vida anda de pernas para o ar, não tenho nem tempo nem paciência, para isto. Ou então quando estiverem no tribunal, fazerem o mesmo ao dito senhor magistrado". Isto é só um aparte, continue a ler o resto da noticia, pois mais grave do que a falta de respeito à autoridade, foi a impunidade estabelecida ao caso].

"O processo, a que o DN teve acesso, foi arquivado, porque o procurador-geral adjunto que tratou deste caso na PGDL considera que "não incorre em prática de qualquer crime, designadamente o de injúrias ou de ameaças, aquele que, perante o agente de autoridade, em exercício de funções, no ato em que está a ser autuado (por eventual violação de regras de trânsito), a título de desabafo e sem que lhe dirija as palavras, se limita a expressar: "Car...! Já ando com problemas que cheguem e o senhor ainda vai ouvir falar de mim"."

[Isto nem soa ameaça, nem nada!...]

"Na sua opinião, "o vocábulo "car..." não encerra qualquer epíteto dirigido à autoridade. O alerta de que "ainda vai ouvir falar de mim", no contexto proferido, não contém a anunciação de um "mal futuro", apto a causar "inquietação, medo ou prejudicar a liberdade". De acordo com o processo, "o infrator, que é procurador da República adjunto no Tribunal Judicial do Seixal, foi interceptado, pelas 14.53 de 27 de Fevereiro de 2009, na Praça das Geminações (Torre da Marinha - Seixal), a conduzir um veículo automóvel e, em simultâneo, a falar ao telemóvel"."

O agente Frederico elaborou o respetivo auto de contra-ordenação pela infração verificada, o qual não foi assinado pelo infrator (o magistrado) por se ter recusado a fazê-lo, refere o processo.

Segundo o documento, "o condutor praticou infração rodoviária punível com coima (de 120 a 6000 euros) e com sanção acessória de inibição de conduzir (de um a 12 meses)"."

[Só uma pergunta: O polícia poderia ou não ter prendido o magistrado por falta de respeito à autoridade?]

"Por se ter sentido ofendido e ameaçado, o polícia relatou à sua chefia, na PSP, o que lhe disse o infrator no momento em que o autuava. Esses dados chegaram ao procurador-coordenador do Tribunal da Comarca do Seixal, que depois deu notícia hierárquica à Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa."

"Com base nestas informações, e após analisar o processo, o procurador-geral adjunto salienta, a propósito, que o infrator, por ser magistrado do Ministério Público, "beneficia de foro especial". Adianta: "sem margem para dúvidas, a matéria comunicada não constitui qualquer ilícito (penal ou disciplinar)"."

[Ah...! ok, quer dizer que o beneficio de foro especial, dá o direito ao desrespeito às regras impostas.]

"Quanto ao uso do vocábulo "car...", o procurador-geral adjunto diz: "Não obstante integrar um termo português de calão grosseiro, foi proferido como desabafo e não como injúria dirigida ao agente autuante. Ou seja, o autor da expressão 'desabafou' sem que tenha dirigido ao autuante o epíteto, chamando-o ou sequer tratando-o por 'Car...'. Na gíria popular, considerado o contexto e as circunstâncias (pendendo divórcio e tendo já problemas, fica aceite uma fase de perturbação do autuado), tal expressão equivale a dizer-se, desabafando 'car..., estou lixado'. Admite-se que houve falta de correção na linguagem proferida, mas não de molde a beliscar a honorabilidade pessoal e funcional do agente autuante"."

[Porreiro. Agora já podemos dizer estas coisas, pensamos que já perceberam o que têm de dizer depois, para se defenderem.]

"Sobre a expressão "ai você quer vingança, então o agente Frederico ainda vai ouvir falar de mim", considera que "não contém qualquer ameaça, ainda que velada ou insinuante, pois a frase não encerra qualquer promessa de um mal futuro"."

[Claro, é só mesmo uma questão de notoriedade de marca.]