19/09/2013

Crise e alternativas

Nos últimos meses, tenho defendido que os efeitos perversos dos violentos cortes orçamentais se tornaram contraproducentes. Várias pessoas me perguntam por alternativas. Pondo de parte a sugestão de Manuela Ferreira Leite de gritarmos com os representantes da troika, a resposta não é fácil.

Uma possível alternativa passa por decretar o não-pagamento da dívida, reestruturá-la e, eventualmente, sair do euro. Soluções de ruptura são possíveis e atá poderão tornar-se inevitáveis. Tais caminhos encerram riscos económicos desmedidos, podendo, inclusivamente, pôr em causa o regime democrático. Portanto, até serem inevitáveis, devem-se evitar.
 
O que sobra além de fazer o que a troika exige? A resposta a esta pergunta passa por perceber a resposta a uma outra: por que é que a troika insiste numa receita que gerou resultados tão desastrosos? Insanidade é uma possível resposta. Mas há outra: se a troika vai sair de Portugal em 2014, então, a partir desse ano, deixam de ter instrumentos para nos obrigar a fazer as reformas que garantem a nossa capacidade de pagar as dúvidas.
 
Ou seja, como não confiam em nós para reformarmos o Estado depois de 2014, querem tudo feito até lá. E, sendo este o terceiro resgate da nossa jovem democracia, podemos condená-los? Essa é a encruzilhada em que nos encontramos: para tornarmos o nosso Estado viável no longo prazo, exigem de nós políticas inviáveis e contra-indicadas no imediato.
 
Até há um ano, vivíamos em ambiente de austeridade descontrolada. Sempre que algum indicador mostrava um desvio, colossal ou não, novas medidas eram anunciadas em catadupa. Os colossais efeitos nefastos estão aí para quem os quiser ver. Mas os indicadores económicos relativos a 2013 também sugerem que a economia portuguesa é suficientemente
flexível para recuperar, desde que lhe dêem a necessária estabilidade para o fazer.
 
Convencer a troika a aceitar um compromisso de longo prazo que garanta alguma estabilidade macroeconómica e substitua a loucura dos cortes impensados é tarefa de políticos.
 
Mas é possível que a teoria dos jogos possa dar uma ajuda. E a teoria diz-nos que a nossa capacidade negocial aumenta se criarmos mecanismos que garantam o nosso empenho. Por exemplo, acrescentar uma norma à Constituição que impeça a Assembleia da República de aprovar um Orçamento do Estado que aumente a despesa pública enquanto existir défice orçamental. Exigir um visto prévio ao Tribunal de Contas reforçaria ainda mais essa norma. Um mecanismo deste género tornar-nos-ia credíveis perante os nossos credores.
 
Este tipo de compromisso exige apoio parlamentar alargado. Algo que logo a seguir às eleições legislativas teria sido mais fácil. Recentemente, o Presidente da República, de forma bastante inábil, tentou e falhou.

Só encerrando as urgências do curto prazo, será possível preparar uma reforma do Estado que respeite as diferentes visões para a economia e para o país. Esta discussão é particularmente importante porque, infelizmente, apesar de encorajadores, os últimos dados são ainda frágeis e periclitantes. Diferentes partidos defenderão, legitimamente, caminhos distintos. Será o regresso da ideologia ao espaço político. E não faltam assuntos para debate.

O aumento das importações serve de alerta para um equilíbrio externo que se desenrola no fio da navalha. É bom ter em mente que o principal estrangulamento que a nossa economia enfrenta é o endividamento externo. Isso quer dizer que o crescimento económico não deve ser conseguido à custa do aumento do consumo interno, que, inevitavelmente,
se traduz em aumentos das importações.

A melhor forma de evitar que o consumo aumente, sem que se reduza o rendimento das pessoas, é o de fomentar a poupança. Tornar os Certificados de Aforro e de Tesouro mais atrativos é uma boa ideia.

Do que conheço, o mais eficaz será alterar o sistema de financiamento da Segurança Social, pondo na mesa a transição do atual regime de repartição para um regime de capitalização ou um regime misto.

Tanto quanto sei, em todos os países onde isto foi feito, as taxas de poupança aumentaram (por vezes abruptamente). A sustentabilidade da Segurança Social no imediato está em causa. Reformas levadas a cabo pelo Governo de José
Sócrates garantem a convergência de longo prazo dos diversos sistemas de pensões.
 
No entanto, a crise por que passamos criou um problema a curto prazo. Com a emigração e um desemprego tão elevados, as receitas da Segurança Social não chegam para as necessidades. Basta lembrar que cerca de metade dos desempregados não têm subsídio de desemprego. A solidariedade tem de ser para todos e partir de todos.
 
Nestas condições, fará sentido que pessoas que beneficiaram de regimes de pensões mais favoráveis não prescindam de parte das suas exceções e dêem um contributo adicional? Faz sentido que os cortes previstos não tenham em conta que mesmo entre funcionários públicos havia, e há, regimes de pensões e reforma muito diversos?
 
Havendo folga para descer impostos, reduzir o IVA é uma má ideia, precisamente porque é um imposto sobre o consumo. O ideal será reduzir impostos sobre a produção, como a TSU. Baixar a TSU tem a vantagem adicional de reduzir os custos do trabalho, essencial para reduzir o desemprego e aumentar a nossa competitividade internacional. Tenho sérias
dúvidas quanto à utilidade, nesta fase, de baixar o IRC, dado que poucas empresas iriam benefiaciar dessa descida.
 
Enfim, há imensas políticas económicas para discutir. Essa discussão é essencial, é determinante para o nosso futuro e é, também, ideológica. Mas, primeiro, é necessário libertar o país da cascata austeritária.

Luís Aguiar-Conraria

Professor de economia da Universidade do Minho
in «Público», 18.09.2013