29/05/2010

Monopólios tropicais

Considera-se que uma estrutura de mercado monopolista quando existe um único agente económico do lado da oferta e muitos do lado da procura. Considera-se um monopólio estatal quando o Estado é o proprietário da empresa. De uma forma não precisa, pode-se considerar um monopólio estatal quando o Estado possui uma participação na estrutura acionista que lhe permite influenciar as decisões da empresa. Quando a empresa monopolista é protegida por leis e mecanismos de direção económica está-se perante o que se designa por um monopólio legal.

Aprende-se nas escolas de economia que uma estrutura de mercado monopolista é imperfeita, o que significa que é contrária à concorrência, entrava a utilização eficiente dos recursos, não incentiva a inovação tecnológica e portanto não contribui para a competitividade empresarial e das economias. Geralmente os preços de monopólio são superiores aos que poderiam existir num mercado de concorrência prejudicando os consumidores e regra geral prestam um serviço de deficiente qualidade. Em monopólio, os lucros, além de serem geralmente superiores aos de uma situação de concorrência, ficam socialmente concentrados evitando-se o benefício de um maior número de cidadãos, o que cria obstáculos à inclusão social.

Após esta breve e simples apresentação livresca do que é e significa um mercado monopolista, passa-se à realidade moçambicana. Há vários monopólios estatais, a maioria já existente na economia colonial, reforçados na época “socialista” com objetivos diferentes e continuam após as reformas também com mudanças de papéis não apenas na política económica, na economia política e na reprodução do poder. Este texto apenas se refere ao período recente.

Não se pretende demonstrar que as empresas monopolistas em Moçambique, como em qualquer outra situação semelhante (e isto não é dogma do liberalismo económico), praticam preços altos e um deficiente serviço aos cidadãos. Isso é conhecido e existem dados concretos que o comprovam. Este artigo debruça-se sobre a indefinição (ou a definição confusa consciente) entre setor público da economia (neste caso as empresas monopolistas), governo e Estado e como estes aspectos se reflectem nos desempenhos empresariais e nas relações com os clientes. Não se refere aos monopólios estatais como instrumentos do poder, aos mecanismos ilícitos de transferência de recursos entre empresas e governo, entre outros aspectos.

Parte-se de três exemplos com naturezas diferentes.

Um, a empresa Caminhos-de-Ferro de Moçambique pratica tarifas subsidiadas no transporte de passageiros cujos custos são suportados pela própria empresa. Admite-se que os transportes públicos urbanos sejam subsidiados. Assim acontece em muitas economias e existe algum consenso nas sociedades. Os custos de transportes representam percentagens elevadas nos orçamentos das famílias principalmente das que possuem menores rendimentos e é um bem público essencial. Consequentemente, o subsídio facilita o acesso ao transporte e representa uma forma de redistribuição da riqueza nacional.

Para isso acontecer (subsídio suportado pela empresa), ou se agravam os prejuízos ou se reduzem os lucros. Em qualquer circunstância, diminui a capacidade empresarial para realizar investimentos, isto supondo que não existem investimentos públicos diretos. Se a empresa pratica preços abaixo dos custos médios, então este prejuízo terá de ser coberto com os lucros obtidos em outras actividades da empresa ou aumentando os preços de outros bens e serviços oferecidos pelos CFM, o que pode reduzir a capacidade competitiva da empresa e da economia. E a questão a este respeito é: Compete à empresa subsidiar os preços dos transportes públicos? Ou a empresa deve definir o preço que cubra os gastos (supondo níveis de eficiência aceitáveis), praticar o preço subsidiado ao utente e receber o subsídio do Estado? A questão dos impostos de todos os cidadãos subsidiarem (beneficiarem) uma parte da população não é aqui debatida.

Dois, na Beira, um cidadão que vá deixar uma pessoa ao aeroporto, sem estacionar, à saída para a cidade, passa por uma cancela onde é obrigado a parar e a pagar uma “portagem”. A via que passa pelo aeroporto é pública, é mais uma das ruas da cidade e nenhuma razão parece existir para qualquer pagamento. É o único local em Moçambique e do pouco que conheço deste mundo, que tal acontece. Qual a justificação desta medida? O que fazem as autoridades? E os cidadãos porque não se rebelam, com excepção de alguns que simplesmente não param e também nada lhes acontece? Neste caso não estamos perante um abuso de autoridade e de poder em relação ao qual ninguém se manifesta? É compadrio, aceitação tácita (para quê?) ou simplesmente incúria? Ou de tudo á mistura e de mais algo?

Três, um voo Maputo-Beira da LAM (escuso-me de referir a data e hora) foi adiado cerca de 12 horas. Os passageiros conheceram do adiamento no aeroporto, no check in, por volta das sete da manhã. Nenhuma justificação foi dada. Voltou-se ao aeroporto para o embarque na nova hora informada e o voo atrasou mais cerca de uma hora. De novo sem qualquer informação aos clientes. Um passageiro pediu o livro de reclamações nos balcões da empresa. Não havia. Em pleno voo, o comandante, muito gentilmente, pediu desculpas aos passageiros e agradeceu a preferência dada à LAM. Mas qual preferência? Como preferência se não há alternativa?

O que podem demonstrar estes três exemplos?

O caso dos CFM não revela uma mescla entre funções do Estado e das empresas públicas? O Estado não está instrumentalizando uma empresa desresponsabilizando-se das suas funções sociais, retirando competitividade à empresa e distorcendo o mercado?

Retirando a hipótese do caso do aeroporto da Beira refletir incompetência ou incúria, não será um caso de abuso do poder, autoritarismo e negligência? Ou é mesmo confusão?

O caso do voo da LAM, revela um nítido desrespeito pelos clientes e não cumprimento de boas práticas.

É legitimo admitir que grande parte dos trabalhadores das empresas procurem fazer o melhor. Deve-se acreditar que os dirigentes dão o melhor para elevar o desempenho das organizações. O que está em causa é como as empresas são politizadas, como os tiques do autoritarismo se reflectem na relação com os clientes, como o governo intervém (ou não), como se perde competitividade.

Em muitos países existem políticas anti-monopolistas e órgãos reguladores dos monopólios. E em Moçambique? Ou será que não há, porque as indefinições facilitam promiscuidades? Ou é a chamada política de navegação em águas turvas e, por vezes, em turvas e em águas profundas.

João Mosca
in «Savana», 24.05.2010