07/03/2010

Reflexão da SEDES: Não se pode pecar no PEC

Não se pode pecar no PEC

O OE-2010 foi percebido e recebido por todos como uma primeira oportunidade perdida. O PEC é decisivo para o futuro dos portugueses, para as oportunidades de emprego e para o seu nível de vida, bem como na forma como a comunidade dos negócios e os mercados nos vão olhar, com consequências imediatas e nas taxas de juro que cada um vai pagar. Não basta dizer que estamos longe da Grécia, o que é verdade, mas é preciso, acima de tudo, demonstrar que não vamos cair nos mesmos erros da Grécia, do ponto de vista das finanças públicas.

A Grécia acaba de reafirmar o seu objectivo de baixar o défice, este ano, em 4% do PIB, pelo que seria boa política Portugal mostrar, desde já, uma maior ambição para 2010. A má reputação combate-se com medidas claras, calendarizadas e credíveis. Nesta, porventura última, oportunidade não teremos a complacência das análises de Bruxelas, uma vez que nenhum país estará disposto a aceitar mais descontrolos orçamentais.

A oportunidade

Há um conjunto de características que o PEC deve seguir para, acima de tudo, resolver os problemas nacionais e garantir o apoio dos mercados às nossas finanças públicas.

Primeiro, o aumento da competitividade da nossa economia deveria ser uma preocupação no Programa. Um maior crescimento facilitará a introdução de medidas difíceis e aumentará a probabilidade de sucesso do PEC. Além disso, temos de vislumbrar o fim da estagnação em que Portugal tem vivido nos últimos 8 anos.

Segundo, tem de haver um conjunto de medidas claras e fortes para garantir uma situação financeira sustentável para Portugal.

Terceiro, para garantir a credibilidade, a consolidação tem de ser determinante no período inicial. Ninguém acredita em programas de estabilização das finanças públicas com medidas fortes apenas para daqui a três ou quatro anos.

Quarto, quanto mais rápido for o ajustamento mais credível e menos custos terá. Adiar as medidas implica que a dívida aumente ainda mais e será necessariamente mais cara. Ou seja, adiar é ter de fazer ajustamentos mais brutais e, portanto, com mais encargos para os portugueses.

Quinto, não se devem mascarar os défices com receitas extraordinárias. Em geral, adiam os problemas e este surgem, no ano seguinte, muito mais agravados. Além disso, podem dar uma imagem de falsa facilidade de sustentabilidade financeira para a população em geral, mas não para os mercados financeiros e para os investidores.

Sexto, é indispensável que se aproveite o Programa a 4 anos para assumir medidas que tornem o país mais atractivo para o investimento, seja ele nacional ou estrangeiro, condição necessária para a criação de mais empregos.

Sétimo, a queda da poupança - privada e pública - que se verificou nos últimos 15 anos não pode continuar. Sem o aumento da poupança não estabilizará o endividamento público nem o endividamento privado e, em consequência, o endividamento externo.

Oitavo, um endividamento externo crescente, implica maior valor de juros pagos ao exterior e, com um fraco crescimento do PIB, uma perda de bem-estar, na medida em que cairá o Rendimento Nacional.

Nono, é indispensável um reforço da capacidade técnica e de análise independente para apoio à Assembleia da República no acompanhamento da política e da execução orçamentais.

Finalmente, é útil e credibilizador reconfigurar os procedimentos de elaboração dos Orçamentos do Estado, bem como assegurar que a elaboração dos cenários macroeconómicos subjacentes ao OE estejam fora do controlo do Governo e sejam elaborados por uma unidade técnica independente.

Concluindo

Para termos uma ideia da gravidade e dificuldade da situação financeira do País, basta lembrar alguma aritmética. Por exemplo, sem recurso a privatizações, caso se pretendesse estabilizar a dívida pública em 2010, o défice público deveria rondar 1,2%.[1] E, neste caso, ainda não estaríamos a pagar o que devemos, apenas a estancar a bolha do endividamento. Por isso, devemos ser rigorosos com as contas públicas não só por imposição do Pacto de Estabilidade e Crescimento mas fundamentalmente porque é necessário garantir a nossa estabilidade financeira, condição para o crescimento.

Este PEC será um documento difícil, mas todos os portugueses esperam e as circunstâncias exigem que seja um virar de página nas políticas orçamentais passadas, para uma trajectória mais credível e sustentável das finanças públicas, do crescimento e do emprego. Mas para que a dureza das medidas possa ser entendida pelos portugueses é essencial a moralização das instituições e da actividade política.

Henrique Medina Carreira

Henrique Neto

João Salgueiro

Luís Campos e Cunha

in Sedes, 05.03.2010

[1] As contas são relativamente simples. Com um crescimento do PIB nominal de 1,5% (cenário do Governo), a dívida pública apenas poderia crescer 1,5%, para se manter o nível de endividamento público em percentagem do PIB. Como o nível da dívida pública ronda os 80% do PIB, o défice orçamental não poderia exceder 1,2%=1,5%x80%.