31/03/2010

«Libération»: Avaria na "gráfica"

O «Libération», jornal diário francês liberal de esquerda, não saiu em Portugal na quinta-feira, 18 Março,  devido a "problemas de impressão"…

Dele, um texto convenientemente perdido, pode agora ser lido a partir daqui Libération (fr) ou em tradução automática via Google em Libération (pt).

Eis o que dizia o artigo:
Anomisidade de grande parte da media, crise política que se transforma num impasse institucional, situação social explosiva, fiasco económico provocado por medidas drásticas, a muito curto prazo ...

Como se isso não bastasse, o impetuoso José Sócrates (reeleito enfraquecido em Setembro de 2009) tem agora de enfrentar uma revolta do Parlamento que o pode forçar à demissão ou a ceder o lugar a um sucessor, do seu Partido Socialista, na chefia do governo.

Hoje, em Lisboa, iniciam-se os trabalhos de uma comissão parlamentar de inquérito que, pela primeira vez desde o fim da ditadura de Salazar, implica diretamente um primeiro-ministro.

E vai obrigá-lo a comparecer fisicamente ou, na melhor das hipóteses, a responder por escrito. "Portugal é um barco bêbado, onde o capitão é o mais suspeito de toda a tripulação", afirmou um colunista do canal privado de TV «SIC».

Segundo muitos economistas, de todos os países europeus à beira da derrocada, Portugal é, certamente, o elo mais fraco. Mais do que a Grécia, o pequeno país ibérico sofre de problemas estruturais, tem as suas exportações a meio gás, regista uma dívida externa elevada e tem um défice orçamental de 9,3%.

Bruxelas aguarda de Lisboa as medidas concretas do plano de austeridade que José Sócrates prometeu. Mas, enquanto estas medidas draconianas são aguardadas ... , José Sócrates aparece muito enfraquecido pelos seus problemas políticos e legais.

"Reformador"

O que transparece verdadeiramente é que há um julgamento político ligado com um alegado caso de interferência. Durante dois meses, um grupo de deputados tentará lançar luz sobre o papel desempenhado por José Sócrates, na tentativa, por parte da gigante Portugal Telecom (PT, controlada pelo governo socialista) vir a comprar a televisão «TVI», hostil ao poder instalado. Trata-se, de saber se o líder socialista manobrou ou não para colocar a cadeia de TV sob seu controlo.

Em Junho de 2009, perante o Parlamento, Sócrates tinha solenemente negado o conhecimento de tais negociações. Se o inquérito, que chamará dezenas de testemunhas, provar que o primeiro-ministro mentiu, então, os dias de quem prometia "transformar profundamente Portugal", estarão contados.

"Se, antes, ele poderia ser parte de uma solução para o país, agora, Sócrates é parte do problema", diz José Manuel Fernandes, um ex-diretor do diário de referência «Público» do qual saiu devido às suas relações tensas com o líder socialista.

Como muitos outros críticos, Fernandes reconhece que o explosivo Sócrates, no início de seu primeiro mandato - de 2005 a 2007 - foi um líder de governo corajoso, que baixou um enorme défice até aos 3% (agora, regressado a cerca de 10%), reformou a Segurança Social (idade e tempo de contribuição aumentada), aumentou as receitas fiscais, criou 150 000 empregos, reformou o topo da administração pública...

"Um bom equilíbrio entre o reformismo, que soube conter a sua esquerda e tranquilizar a direita", disse o analista político Manuel Villaverde Cabral. "Tem afastado um grande número de pessoas em altos cargos e que, agora, são seus inimigos".

Mas se José Sócrates é provocador, é também porque a sua carreira está repleta de áreas cinzentas e atividades suspeitas.

Desde que deu os primeiros passos na região da Beira Baixa, no leste do país, ele passou a aparecer envolvido numa dúzia de escândalos. Um diploma de engenheiro obtidas em circunstâncias suspeitas, licenças de construção obtidas duvidosamente no concelho de Castelo Branco, o caso "Face Oculta" (escutas que o ligam a um empresário desonesto, com uma quase-monopólio nas sucatas industriais) ... ou o "caso Freeport", uma empresa britânica que instalou um centro comercial em Alcochete, arresdores de Lisboa, em terrenos protegidos pela chama... "Verde" de Sócrates, então ministro do Meio Ambiente.

"Na verdade, nunca há nenhuma prova formal", disse José Manuel Fernandes, "mas nada é muito claro com ele."

Jovem lobo
Enérgico e carismático, com uma ousadia que eletrizou uma política anquilosada, José Sócrates aparece também como um líder firme, autoritário e irascível, cuja ambição devoradora, acaba por irritar qualquer um. "O seu percurso é a de um jovem lobo, sem ideologia, oportunista, um produto puro do aparelho que subiu a escada do poder, com a cabeça fria", descreve Fernando Rosas, historiador e membro do Bloco de Esquerda. "Ele sempre ambicionou ir muito alto".

E, depois, os seus acessos de autoritarismo, justificam a sua imagem degradada na media que não é nada carinhosa com ele. E a Sócrates encaixa bem: vários jornalistas vedetas de TV (Mário Crespo, Manuela Guedes ...) denunciaram a "censura" exercida sobre eles pelo Primeiro-Ministro. Em Janeiro, foi criada uma Comissão de Ética para esclarecer o assunto.

"Um grande problema de Sócrates é que ele perdeu o apoio da elite", analisa José Manuel Fernandes, o ex-diretor do «Público». "Já não confiam nele, todos recebeiam ser enganados por esta personagem problemática e e ambígua".

Numa arena política dominada por dotores, o socialista sem título prestigiado, arrisca e rompe com o status quo.

Ao estilo de um Sarkozy português, Sócrates é um lutador, um comunicador zeloso que contaminou o seu partido e personalizou, ao extremo, o exercício do poder. Outras semelhanças: ele não tem medo de cortar a direito, suporta mal a crítica, perde facilmente a calma e cultiva a ligação entre política e negócios: aconteceu com Jorge Coelho, um dos seus próximos, ex-ministro socialista, que foi, com a sua bênção, para o conselho de administração da gigante de construção «Mota-Engil».

À força de brincar com o fogo, estará José Sócrates num assento ejetável, seis meses após a sua difícil re-eleição (uma curta maioria no Parlamento), e quando o seu índice de popularidade cai alegremente? "Basicamente, todos os elementos o cercam", diz Ricardo Costa, director-adjunto do semanário «Expresso». Felizmente para ele, as circunstâncias protegem-no. A opinião pública e o Presidente da República, Cavaco Silva, um mentor do grande partido da direita (PSD), não têm vontade de convocar eleições antecipadas.

No interesse da estabilidade institucional e também porque uma nova eleição, provavelmente, nada mudaria. Até Janeiro de 2011, data das prseidenciais, Sócrates não arrisca a pele. A menos, claro, a comissão parlamentar de inquérito, que arranca hoje, venha a exigir a sua renúncia.

Sacrifícios
Mesmo que permaneça no lugar, todos lhe antecipam uma via sacra até o final de 2010.

Depois da fase da generosidade social, em breve, Sócrates terá de aplicar o plano de austeridade ditado por Bruxelas por via de cortes nos gastos sociais (saúde, fundo de desemprego, subsídios, rendimento mínimo ...). "Depois de dez anos, o poder exige que os portugueses façam sacrifícios", disse Manuel Villaverde Cabral, um cientista político. "Não acho que suportem por mais tempo".

José Sócrates, estará preso entre a bigorna social e o martelo financeiro? "É mãos e pés atados", acrescentou José Manuel Fernandes. "O modelo industrial português, com mais de cinquenta anos, está moribundo e nada o substitui. O país produz entre 30 a 40% do que consome. A margem de manobra de Sócrates é muito baixa".

Será que vai recuperar? Ricardo Costa, do «Expresso» e outros observadores estão convencidos: "O homem tem mais vidas que um gato. É muito resistente, muito duro, e encaixa bem os socos".

Um verdadeiro animal político que mostra as suas garras sempre que está mais fraco.
François Musseau
in «Liberation», 18.03.2010