14/03/2010

Pouca massa para o pouca-terra

Depois de ter sido eleito a prometer o TGV, José Sócrates descobriu que não pode cumprir a sua promessa. Parece que o José Sócrates que lá esteve antes do José Sócrates atual não deixou as contas em termos para o José Sócrates poder agora construir o seu pouca-terra.

Porque é que ninguém o avisou? Bastava o primeiro-ministro José Sócrates ter dito ao candidato José Sócrates que não estavam reunidas as condições para avançar com o TGV e José Sócrates não tinha feito a figura de fanfarrão arrogante que fez, ao zombar da candidata da oposição, que dizia ser aconselhável parar com o investimento das grandes obras públicas.

Malandro do José Sócrates que não foi amigo de José Sócrates. Se ao menos José Sócrates tivesse conversado com José Sócrates...

Um telefonema de José Sócrates para José Sócrates. Ou através de Armando Vara.

Claro que o mais provável era José Sócrates não acreditar em José Sócrates. Afinal, conhece bem a peça. Por exemplo, uma das primeiras pessoas a saberem que José Sócrates tinha mentido sobre a TVI foi José Sócrates.

Outra hipótese para evitar dar o dito por não dito era, em alternativa, Sócrates estar realmente atento à crise económica que se vive em Portugal e no mundo. Mas para isso era preciso que ele fizesse mais com os jornais do que vasculhá-los para saber apenas o que dizem sobre si. Era preciso que ele lesse mesmo as notícias.

Para Sócrates (aliás, para ambos), um dia feliz é um dia em que os jornais não falem dele. Mesmo que falem da taxa de desemprego altíssima e da crise social que atravessamos, não chateiam o primeiro-ministro se ele não vier lá referido. José Sócrates acha que o Sol, quando nasce, é só para ele.

Aliás, é possível que o cancelamento do TGV não seja por causa do défice. O primeiro-ministro apercebeu-se de que muitas pessoas aproveitam as viagens de comboio para ler os jornais e quer evitar ao máximo que os portugueses fiquem a conhecer os relatos de mais algumas das aventuras de José Sócrates. O atual primeiro-ministro ou o anterior.

José Diogo Quintela, humorista
in «Pública», 14.03.2010