30/03/2010

Celibato: ficar na História

Papa Bento XVI está debaixo de fogo. E vai continuar.

Pode alegar e, provavelmente, é verdade, que desconhecia todos os casos que lhe passaram ao lado e que não adivinha os que ainda vão ser denunciados e que, claro, mancharão a Igreja Romana.

Pode invocar os santinhos, os anjos e os arcanjos. Que uma andorinha não faz a Primavera ou que uma árvore não faz a floresta.

Em suma, verberar que há pedófilos em todos os países e organizações e que a sua Igreja não é, não foi e não será cumplice destes crimes.

Terá, todavia, dificuldade em explicar porque, diariamente, vêm à tona novas denúncias, evidências e provas de crimes cometidos por padres quando, a acreditar nos missais e homílias, a Igreja seria o último lugar onde tal poderia acontecer. E ainda mais virão, numa imparável torrente de lama.

E novos casos com o do padre Frederico (1993) serão denunciados ou descobertos.

Terá ainda mais dificuldade em explicar porque o seu Deus, omnipotente, omnisciente, omnipresente, assistiu, assiste e continuará a assistir a crimes hediondos cometidos em sacristias, seminários, missões e orfanatos.

Como fez no passado e fará no futuro: com a 'Santa Inquisição', com a persistente estigmatização dos judeus, com os muitos massacres de inocentes em nome desse Deus e das muitas certezas.

E, contudo, o Papa Bento XVI tem uma oportunidade única de fazer História se abolir o celibato.

Com esse ato reformador, a Igreja Católica seguiria São Paulo ("se eles não podem exercer auto-controlo, devem casar. Por isso é melhor casar do que queimar com paixão." [versículos 7-9]).

Com esse ato inovador, a Igreja Católica libertaria o clero de uma prisão perpétua desviante que, frequentemente, se auto-satisafaz ou se serve de vítimas desprotegidas ou fragilizadas.

Com esse ato renovador, a Igreja Católica calaria o acumular de acusações de que dificilmente se conseguirá defender sem auxílio de quem tudo vê e tudo sabe.

Para esse ato revolucionário, bastaria abolir o celibato e fundamentá-lo na doutrina de um qualquer Evangelho escondido ou perdido na biblioteca do Vaticano e, oportunamente redescoberto por sugestão divina.

A Igreja Católica quebraria o cerco em que se acantonou e apresentaria argumentos renovados para recrutar sacerdotes (e sacerdotizas) de entre gente normal e sem taras.

E, para tal, com a iluminação do Espírito Santo, pode aprender com a experiência dos seus concorrentes mais diretos que há muito deixaram o dogma do celibato, com sucesso e sem perturbação na mensagem sobre o Deus, que alegam, ser comum.

No seu próprio interesse!
Para a sua sobrevivência.
Para a sua própria expansão.

Como diz, António Marujo no «Público», a "Igreja Católica atravessa a mais profunda crise do último século. Para encontrar algo de dimensão semelhante, devemos recuar até ao início do século XX, com o anti-modernismo do Papa Pio X. Ou antes, a 1870 e ao Concílio Vaticano I, com o dogma da infalibilidade papal, o cisma dos velho-católicos e o fim dos Estados Pontifícios. Há uma diferença: esta crise atinge um catolicismo universal, ao contrário do de há um século, quando ainda era uma realidade pouco mais que europeia."

Com base no título de «Público», 29.03.2010