15/07/2010

Ubuntu

O continente mais amaldiçoado pela triste história da humanidade, da escravatura ao apartheid, recebeu finalmente um Mundial de futebol. E como foi? O que fica? Não há dúvidas na resposta.

A África, em geral, e a África do Sul, em particular, têm muitas razões para estarem felizes e orgulhosas. Foi um sucesso. Não houve atentados, não houve caos nos aeroportos (excepto na meiafinal Espanha-Alemanha), nem a tão falada criminalidade ofuscou a prova, comprovando-se que nos grandes eventos desportivos o nível de crime baixa. Ou seja, é mesmo possível realizar um (bom) Mundial em África.

É claro que a África do Sul não é um país perfeito. Mais de metade dos sul-africanos seguiram o Mundial à distância, porque não tinham dinheiro para ir aos estádios. Mas nem por isso viraram as costas ao país ou ao desporto de que tanto gostam. Fizeram a festa nas ruas, nos cafés, até nas townships.

A África do Sul é também um país ferido pelo passado e por diferenças que continuam a separar brancos e negros. O país de Mandela ainda não é um país pós-racial. Claro que há brancos e negros amigos, que dividem escritórios e se sentam juntos à mesa no café, mas tudo ainda parece muito dividido entre o branco que é patrão e o negro que é empregado. E as townships, essas tristes heranças do apartheid, continuam a existir.

Mesmo assim, quem passou pela África do Sul neste mês só pode ter ficado bem impressionado. Com a beleza do país e a simpatia da população. Frank, Dorothy, Ryan, Chris, Ivan, Audrey, Andrew. São nomes de brancos e negros, proprietários e empregados, uns fãs de râguebi, outros de futebol. Nomes de gente simpática, capaz de traduzir na prática o conceito de ubuntu. Esta palavra africana, de origem difícil de explicar, significa "humanidade".

É apenas mais uma forma de qualificar a hospitalidade ou, como disse Mandela, "esse profundo sentimento africano de que só somos humanos através da humanidade dos outros seres humanos". A hospitalidade dos sul-africanos, especialmente os negros, é a melhor prova desse ubuntu - humanidade. Que no caso até pode ser considerada a superioridade negra. Porque ser recebido de braços abertos por quem sofreu tanto é notável.

Hugo Daniel Sousa
in «Público», 13.07.2010


imagem da Cidade do Cabo ou Capetown, à noite, sinal de um país moderno
fruto do trabalho de gente de todas a cores e feitios, sob uma cultura de responsabilidade