23/07/2010

O Mundo-Cão

O Mundo Animal

Não sei qual a imagem mais inspiradora da semana. Um polvo que adivinharia os resultados dos jogos da Copa do Mundo ou a ideia de se fazer endoscopia em cães para descobrir os restos mortais da ex-namorada do goleiro do Flamengo. Acho que esses factos demonstram, com a precisão cirúrgica de uma marreta, que a credulidade e a estupidez humanas são realmente infinitas, como suspeitava Einstein.....

Certos actos, como o de coroar um absurdo com outro, mostram a verdadeira dimensão da comédia humana. São coisas cotidianas que nos lembram certas imagens como a do palhaço chorando ou o bêbado rindo num velório. Eu assisto a tudo como um palhaço, meio bêbado entre realidade e surrealidade, sem saber se fico chorando ou rindo. Será que falta assunto?

O curioso é que no ano passado foram publicados 550,000 livros, cerca de 20,000 livros por dia. Ou seja, se eu li 2.000 livros na minha vida, a cada dia eu fico 90% mais ignorante. Temos assuntos de sobra. Por outro lado, eu sei que existe um polvo em algum lugar da Alemanha que poderia adivinhar os resultados dos jogos de futebol de uma Copa do Mundo. Você conseguiria explicar isso para um Marciano? Não tem jeito. Também não consigo explicar o gesto de um casal de Uruguaios que querem botar na filha o nome de Maria Vuvuzela para comemorar a Copa.

Esses absurdos talvez expliquem a profunda falta de sentido que a grande maioria das vidas faz. Aquele safado do Napoleão olhou uma longa lista de mortos numa batalha e comentou: "Paris faz mais gente numa só noite". O John Lennon, que só não virou santo porque ousou dizer que os Beatles eram mais populares que Jesus Cristo, disse uma coisa parecida: "A maioria de nós são especiais de sábado à noite....", sugerindo que somos - literalmente - resultado de uma alternativa à televisão em alguma noite da semana.

Quanto vale a vida? Os defensores da pena de morte dizem que um condenado à prisão perpétua nos EUA custará cerca de um mihão de dólares ao longo de 50 anos. A renda per capita americana é de pouco mais de US$ 20,000 por ano. Ou seja, um americano teria que trabalhar cerca de 50 anos, sem gastar nada, para produzir o mesmo um milhão de dólares. Por outr lado, argumentam, a injeção letal custa só US$ 86, um pelotão de fuzilamento custa US$ 15, eletrocutar um preso custa US$ 300 (a conta de luz aumenta?) e enforcamento custa dez vezes menos, só US$ 30, mas não dizem se daria para re-utilizar a corda. A câmara de gás é hoje o tipo de execução mais cara, custa mais de mil dólares, mas não quero ficar fazendo piadinhas com essas coisas.

Por um lado, eu sei que um economista pode explicar qualquer coisa. Há uns duzentos anos atrás, qualquer economista decente diria que um mundo sem escravidão não seria economicamente viável. Por outro lado, não são as explicações que deveriam dar sentido às coisas. Por exemplo, um economista diria que a cigarra não é economicamente viável, porque passa dez anos debaixo da terra como ninfa para depois surgir e cantar por duas semanas. Acho que vocês concordariam comigo que o canto da cigarra não tem preço. Adaptando Fernando Pessoa, não basta não ser surdo para poder ouvir.

Eu continuo aqui, palhaço com ressaca de realidade, fazendo um apelo a todos os sentidos de todos para que não percam nem o senso crítico, nem o bom senso. Já perdemos a Copa, tudo bem, daqui a quatro anos tem outra.

Com ou sem televisão, a vida também continua nos intervalos.

Jonas Rabinovitch
in «Veja»
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Jonas Rabinovitch não é nada. Nasceu em Niterói, formou-se como arquiteto, mora em Nova York e trabalha numa conhecida instituição inter-Governamental.