Tudo isto faz lembrar a colonial folly de outro governo que, há cerca de meio século, decidiu que era do "interesse estratégico" do país manter, não companhias de telemóveis no Brasil, mas a administração portuguesa nas terras de África.
Porque é que o Governo quer a PT no Brasil? Ou bem que a PT está lá porque tem meios para isso e é do interesse dos seus acionistas, ou então não deve nem pode estar. Contra a evidência, o Governo chamou a depor o fantasma dos "interesses estratégicos de Portugal e da PT". Que "interesses" são esses, que não se identificam nem com os dos acionistas da PT nem com os dos consumidores portugueses, a quem a expansão ultramarina da PT nunca poupou a preços dos mais caros da Europa? O Governo zela por um Portugal que não tem a ver com os portugueses, e por uma PT que não tem a ver com os seus acionistas.
O «Financial Times» decifrou o episódio como um caso de colonial folly: com a golden share, o Governo perverteu um investimento empresarial, transformando-o numa deslocada e insustentável projeção de soberania. O objetivo é defender a qualquer custo a sombra da bandeira numa antiga colónia? Se não é, parece. E, ao parecer, faz-nos lembrar a colonial folly de outro governo que, há cerca de meio século, decidiu que era do "interesse estratégico" do país manter, não companhias de telemóveis no Brasil, mas a administração portuguesa nas terras de África. Não se tratava então de enfrentar apenas Bruxelas, mas o mundo quase todo. Para quem duvidava, havia sabatinas de "geoestratégia", em que militares modernaços ensinavam que isso da "descolonização" era uma treta, que o que estava em causa era a disputa dos mercados emergentes, e que Portugal, se não queria ficar de fora, tinha de recorrer ao poder político (a golden share era então uma G3).
A opção colonial do Estado Novo levou ao 25 de Abril. Mas, antes disso, autorizou os salazaristas a justificar a persistência da ditadura num país que se estava a integrar na Europa ocidental através do comércio, do turismo e da emigração. A adesão de Alegre e de Louçã à aventura neocolonial do socialismo português sugere que algo de semelhante se passa hoje: os telemóveis brasileiros estão a ser usados para validar um estatismo em colapso.
Trata-se de uma questão ideológica: perante a bancarrota do Estado social, é preciso ressalvar o princípio de que só o Estado vê em grande, que só o Estado vive no longo prazo, que só o Estado sabe o que nos convém, que só o Estado pode defender um "interesse estratégico" cuja sublime conceção nos há-de escapar sempre a nós, simples mortais, acionistas e consumidores que apenas queremos ganhar ou poupar dinheiro, inconscientes dos grandes jogos de poder mundial em que os nossos estadistas estão envolvidos. O Estado cobra-nos cada vez mais para nos dar cada vez menos, mas é lá que brilha sempre a chama que alumia o universo. "Se alguém não sabia disso, agora ficou a saber", proclamou o nosso líder supremo, com as botas de D. João II.
Na década de 1960, o colonialismo deu uma dúzia de anos de oxigénio a uma ditadura que perdia a razão de ser. É duvidoso que este precário devaneio neocolonial segure o poder vigente. Seja como for, os socialistas deviam lembrar-se de que o salazarismo durou, mas apenas para cair de mais alto - e de vez.
Rui Ramos
in «Expresso», 03.07.2010