02/07/2010

Porque hoje é dia 2

Pais sob suspeita

Transformamos a luta pela justiça das mulheres numa forma de injustiça para os homens. Muitos pais que não podem ver seus filhos, muitos pendurados no cabide da suspeita, muitos que vêem dilapidado seu património, mais além de suas obrigações legais.

Foi meu pai que me transformou em feminista. Esse homem extraordinário, que sempre respeitou minha mãe, que estava disposto a ser o primeiro em arrumar a mesa, em preparar a comida, em carregar as compras, ensinou-me o valor da convivência. Eram outros tempos, e a sala de refeições de casa era, para muitos, o espaço da liberdade. Desse lugar da casa, solidário e respeitoso, aprendi a amar a igualdade e a lutar por ela. Como tantas outras mulheres. Da geração de nossas avós, que deram a pele para poder votar, à de nossas filhas, que podem ser presidentas, o caminho percorrido é um salto galáctico: em só três gerações mudamos o paradigma cultural de séculos.

É claro, aí temos as cifras de maltrato enchendo de sangue as estatísticas, com as mulheres lutando para ser as melhores no trabalho e na casa, e não morrer na tentativa. Com nossa vergonhosa discriminação de salários. Com o enorme esforço que têm que fazer a trabalhadora que quer ser mãe.

Obviamente, se olharmos o passado, a transformação social foi revolucionária. Se olharmos o futuro, a mulher está em condições de alcançar todas as metas. Mas, se olharmos para o presente, ainda deixamos muita pele e dor na intenção. E, certamente, se o olhar for global, a situação da mulher destrói qualquer esboço de otimismo. Da vergonha das mulheres escravas nos países islâmicos, às meninas dos prostíbulos, passando por todo tipo de violências. Andamos muito no caminho dos direitos, mas enjoa pensar o quanto ainda falta para andar.

Sendo tudo isso certo, me preocupa, entretanto, que a luta da mulher possa invadir os legítimos direitos dos homens. Para entrar na matéria mais espinhosa, muitas são as vozes sérias que alertam do mau uso que se está fazendo da lei contra a violência de género, a favor das mulheres que a utilizam para negociar patrimônio, obter vantagens ou, diretamente, aborrecer o ex de plantão. Entre todas elas, é notável a voz da juíza decana de Barcelona, Maria Sanahuja, que tem alertado reiteradamente sobre o excesso de denúncias falsas. Os dados sobre este facto não são claros, mas todos os setores implicados falam de centenas de falsidades. Em qualquer caso, a casuística nos traz muitos pais cuja denúncia falsa destroçou-lhes a vida, até que um juiz levantou a suspeita. Realmente é tão fácil? Se um homem acusa sua mulher de mulher de maltrato, as dificuldades para concretizar a denúncia são ingentes. Mas se uma mulher acusa-o, a lei o transforma em culpado inclusive antes de ser suspeito, e o calvário que viverá será terrível. É indiscutível que a lei contra a violência de género era urgente para lutar contra esta mancha social. Mas a fizemos bem?

Se as mulheres podem usá-la facilmente para afastar suas preocupações económicas ou sentimentais, não só a fizemos mal. Transformamos a luta pela justiça das mulheres numa forma de injustiça para os homens. Muitos pais que não podem ver seus filhos, muitos pendurados no cabide da suspeita, muitos que vêem dilapidado seu património, mais além de suas obrigações legais.

A luta da mulher pela igualdade nunca pode ser a desculpa para outra forma de discriminação. O feminismo, que tanto sabe do sofrimento, teria que ser o primeiro a levantar a voz contra esta outra forma de maltrato. Porque, ou denunciamos os abusos em nome da mulher, ou estamos tornando uma luta justa numa forma de vingança.

Pilar Rahola (Tradução: Szyja Lorber)
in «La Vanguardia», Barcelona, 28.12.2007