10/05/2010

Madrilenos na Caparica

Milhões para alguns

Há poucos dias Portugal foi alvo de ataque nos mercados internacionais com as agências internacionais de notação financeira a baixarem a classificação do risco que atribuem à dívida do Estado português. Isto traduz-se em juros mais altos para o financiamento do Estado nos mercados internacionais. Por outras palavras, vamos ter de trabalhar mais para pagar apenas os juros da dívida, que se subtraem assim à riqueza produzida no país.

Mas esta explicação, de que tudo é culpa de terceiros, é por si só demasiado simplista. Porque é que atacaram Portugal e não a Holanda ou a Suécia? Pela simples razão de que Portugal se pôs a jeito. Estamos demasiado endividados e com dificuldades em pagar os juros das nossas dívidas e esses países não. Isto não é sustentável: o leitor ponha-se na posição de quem nos empresta dinheiro e olha para nós como um país que não produz o que gasta, que se endivida descontroladamente vivendo à custa do trabalho dos outros, e que nem os juros da dívida parece ser capaz de pagar. Continuaria a emprestar dinheiro a um país ou uma pessoa assim?

Se nada de substancial se alterar, o que vai acontecer quando do estrangeiro deixarem de nos emprestar dinheiro? Nessa situação de colapso económico, será que deixaremos de poder comprar produtos que não produzimos e que são essenciais ao funcionamento da economia, como o petróleo, ou à vida das pessoas, como comida ou medicamentos? Ou para evitar isso o Estado baixará os salários e as pensões para pagar as dívidas? Ou seremos expulsos do euro, o que provavelmente trará uma inflação galopante que destruirá as poupanças e o poder de compra dos salários e das pensões? Perante esta situação, o que faz o Governo? Como o nosso problema é a dimensão da dívida, arranja ainda mais dívidas. Ainda agora foi anunciado mais um contrato de concessão de auto-estradas (Pinhal Interior), em que o Estado presta garantias (quase equivalentes a dívida, a pagar pelos contribuintes) de milhares de milhões de euros. As estradas não deveriam ser a prioridades nos investimentos em infra-estruturas de transportes, pois (i) a actual predominância da rodovia sobre a ferrovia é insustentável por razões ambientais e energéticas, logo a quota de mercado da rodovia tende a reduzir-se, (ii) a rede de estradas e auto-estradas já é bastante boa, e (iii) há debilidades gritantes em outros sectores importantes para a sustentabilidade e competitividade económica, como a ferrovia e os portos.

Por isso na situação actual este contrato obviamente não é do interesse do país. Segundo o PÚBLICO de 28 de Abril, uma fonte do consórcio que ganhou a concessão "sublinhou como positivo o facto de o contrato ter sido assinado já depois de as agências de notação financeira internacional terem baixado em dois níveis a análise de risco da dívida soberana do país". Não tenho dúvidas de que foi positivo para o consórcio, mas é extremamente negativo para os contribuintes que ficam com a responsabilidade de garantir o pagamento de milhares de milhões de euros, que se somarão a uma dívida sufocante com taxas de juro cada vez mais elevadas, sem que destas obras resultem benefícios relevantes para a economia e que ajudem a pagar a dívida. E o Governo já reafirmou que vai continuar a endividar o país para financiar as suas grandes obras, que, se forem analisadas com detalhe, se constata que são injustificáveis com base no interesse do país.

Vejam-se os seguintes exemplos:
1) a nova Linha Lisboa-Porto que não permite o tráfego de comboios de mercadorias, cuja melhoria neste momento é muito mais importante para a economia do que o de passageiros;
2) a ponte Chelas-Barreiro, a construir no local errado, pois aumenta em 40% a distância de Lisboa ao novo aeroporto relativamente à alternativa Beato-Montijo, não permite a passagem das linhas de alta velocidade no aeroporto em plena via, sacrificando assim a qualidade dos acessos a muitas cidades, destrói metade do porto de Lisboa, pondo em causa empresas e empregos, é mais cara que a alternativa, etc.;
3) outras auto-estradas;
4) o terminal de contentores de Alcântara, uma obra provisória com grandes inconvenientes para a cidade de Lisboa, quando o porto se poderia expandir para a Margem Sul para locais que possibilitam um porto com futuro e muito maior qualidade e competitividade (fundamentação mais detalhada destas questões pode ser consultada em http://www.adfer.pt/).

Concluindo, o Governo, que já começou a impor fortes sacrifícios aos portugueses (basta ver o PEC) vai agravar ainda mais a situação económica do país, o que levará ao colapso económico ou, para o evitar, obrigará a agravar os sacrifícios no futuro. Creio que os portugueses aceitariam sacrifícios se estes fossem justos e para benefício de todos, mas não é esse o caso: que autoridade moral tem este Governo para impor sacrifícios ao povo, se a necessidade de os fazer em grande parte é consequência de dívidas que o próprio Governo fez e tenciona continuar a fazer para benefício de alguns e não para o desenvolvimento do país?.

Mário Lopes
Professor do Dept. de Eng.ª Civil do Instituto Superior Técnico
Membro da Direcção da ADFER-SIT (Associação para o Desenvolvimento de Sistemas Integrados de Transportes)
in «Público», 10.05.2010


A farsa socrática: vamos ter meio TGV

I. Meio TGV, eis a herança da modernidade socrática. E este meio TGV ainda é uma migalha desnecessária da velha teimosia de José Sócrates: o TGV até ao Poceirão também deveria ter sido suspenso. Porque é um pouco patético esta coisa de Portugal ter um TGV que não chega a Lisboa. José Sócrates não quis admitir que estava 100% errado. Com este semi TGV, quis mostrar que, vá, estava errado apenas a 70%.

II. José Sócrates fez uma campanha eleitoral assente numa mentira económica. As eleições de Setembro foram uma pequena farsa: a realidade era negra, mas José Sócrates navegou na falácia rosa. Depois das eleições, José Sócrates teve vários meses para admitir o erro. Mas nada mudou naqueça cabeça. Ainda na semana passada, o primeiro-ministro recusava qualquer desvio no seu caminho czarista. Foi preciso um puxão de orelhas das autoridades europeias para José Sócrates admitir, finalmente, que estava errado. Como diz Martim Silva, José Sócrates foi mesmo o último a perceber o óbvio. E, agora, no final desta farsa, José Sócrates deixa-nos com esta situação que parece saída de uma anedota: meio TGV. Para que serve um TGV que pára no Poceirão? Custava assim tanto suspender a obra por completo?

III. Alguns meninos do PS parece que estão zangados com José Sócrates. Estes meninos queriam que o primeiro-ministro continuasse na fantasia. A realidade, essa entidade suja, é coisa para a direita. A esquerda, essa senhora excelsa, apenas pode habitar a fantasia. Os outros que apaguem a luz, não é?

IV. É evidente que Teixeira dos Santos é o novo primeiro-ministro de Portugal. Graças a deus.

Henrique Raposo
in «Expresso», 10.05.2010


Volta, Lino!

Ainda não estou seguro de obter uma resposta para as dúvidas que me afligem: afinal, vêm ou não os madrilenos a banhos à Costa da Caparica?

De facto, tudo está por definir. De um lado, os que advogam a ponderação de gastos numa altura em que as finanças ameaçam falência. Do outro, os adeptos do gastar a qualquer preço, que a vida são dois dias e o de hoje já vai na conta.

Não se sabe, portanto, quem ganha. Apenas se sabe quem já perdeu: os portugueses, para não variar.

Num breve instante de bom senso, o ministro das Finanças chegou a defender a revisão das grandes obras. Mas logo o ministro Mendonça ("Também sou economista, sabe?"), apoiado na teimosia de Sócrates, virou o caso do avesso: comprometa-se o futuro, que o presente já não tem conserto.

É claro que há uma extensa lista de culpados. À partida, os especuladores: bem avisados temos sido contra eles pelos beneméritos progressistas, à frente dos quais o putativo sucessor de Sócrates, refugiado no sorvedouro do Município lisboeta.

Mas não é possível absolver a negligência da senhora Merkel, que ainda não enviou (como era seu estrito dever) o dinheirinho dos alemães para que possamos brincar aos comboios e aos aeroportos.

Entretanto, fica a petulância do actual "Jamé". Com fina elegância verbal, trata os ministros de Soares, de Cavaco, de Guterres, de Barroso e de… Sócrates por "homens do passado".

Volta, Lino, estás perdoado!

António Freitas Cruz
in «Jornal de Notícias», 09.05.2010