Está consumada a bancarrota do Estado que, por pena que vista ainda a cor socratina, é e será português. O que prevenimos, e tantos negaram confiados afinal na irresponsabilidade e satisfação do interesse pessoal do primeiro-ministro e do seu grupo, sucedeu.
Mais tarde falarei sobre as consequências, mas por agora é preciso saber que se aproxima a redução de salários, pensões e subsídios, o pagamento de indemnizações absurdas a construtoras e bancos por obras contratadas nestes últimos dias de socratismo moribundo e que serão adiadas, e a imposição de uma tutela financeira e económica da União Europeia e do FMI sobre Portugal durante uma década. Enquanto não reequilibrar, pela poupança, as contas públicas, Portugal será um protectorado da União Europeia e do FMI, com especial ascendência da Alemanha, o maior credor.
Não adianta agora o primeiro-ministro comprometer-se na dura reunião do Eurogrupo de 07.05.2010, que afinal vai baixar agora o défice em mais 1% e não apenas nas calendas gregas, para onde atirou a austeridade.
Pode prometer o céu aos parceiros europeus e, finalmente, a terra aos portugueses: ninguém acredita mais nele. Os parceiros europeus, a União Europeia e o FMI, sabem muito bem que promete uma coisa e faz outra: promete conter o défice e celebra à pressa, no dia da subida exponencial dos juros e da queda da bolsa, um contrato de 1,244 mil milhões de euros da concessão rodoviária do Pinhal Interior ao consórcio Mota/Engil-BES (para construção das absolutamente indispensáveis estradas do IC3 - Tomar/Coimbra (IP3/IC2), incluindo ligação a Condeixa; IC8 - Proença-a-Nova/Perdigão (A23); EN236-1 - Variante do Troviscal; ER238 - Cernache do Bonjardim/Sertã (IC8); EN238 - Sertã/Oleiros; e EN342 - Lousã/Góis/Arganil/Côja, incluindo ligação ao IC6; e requalificação e exploração de outras estradas nessa zona).
Os parceiros europeus e as instituições financeiras internacionais sabem que no dia seguinte ao compromisso de reduzir o défice em 1%, celebrou, neste sábado, 8-5-2010, o contrato de construção do TGV do Poceirão ao Caia, para o qual acredito que tenha pedido, na sexta, 07.05.2010, o apoio de Sarkozy, numa cimeira de motivo real disfarçado (a inovação energética...), prometendo encomenda de equipamento francês, naquele que é o seu último grande negócio.... O TGV do Poceirão!... Sócrates pode não ter dinheiro para pagar salários, pensões e subsídios de desemprego, mas à beira da bancarrota, o Estado gasta o que não tem no TGV do Poceirão e na variante do Troviscal!...
Questionado sobre o assunto na visita ao extraordinário exemplo do Parque Tecnológico de Óbidos, focado nas indústrias criativas, no sábado 08.05.2010, o Presidente da República pediu confiança no... Ministro das Finanças e revelou que o primeiro-ministro de nada o informou e que o primeiro-ministro não falou com ele nos últimos dias!...
Foi a declaração mais dura do Prof. Cavaco Silva sobre José Sócrates, desde que tomou posse: reduziu Sócrates à irresponsabilidade e inutilidade. Sócrates não informou o Presidente da República de que comprometeu o Governo a reduzir o défice do Estado, de que Cavaco Silva é presidente, em mais 1%!... Mas telefonou ao líder da oposição!... Será que reuniu o Conselho de Ministros para definir esse compromisso do Estado português?... Um Governo sem rei - Sócrates parece um D. Afonso VI, na fase pré-clausura - e sem roque - Teixeira dos Santos assemelha-se agora ao caído em desgraça Conde de Castelo... mas Pior.
Mas insisto que de nada adianta o que Sócrates prometa: porque ninguém acredita e porque é tarde. Não adiantava correr mais do que o urso, adiantava correr mais do que os outros que fugiam do pânico, como fez a Irlanda, quando estabeleceu um programa férreo de austeridade na despesa pública e assim ganhou credibilidade dos mercados.
Mais: depois da Grécia, é Sócrates com a sua política despesista que afunda não apenas o seu país, mas também o dos outros, quando se recusou, na prática, a prevenir o contágio do pânico.
A passagem da barreira dos 7% (a cotação fechou na sexta a 7,05%) do juro da dívida do Estado português a dez anos, na sexta-feira, dia 07.05.2010, representa a confirmação da inevitabilidade da bancarrota de Portugal. Agora mesmo, o juro da dívida soberana portuguesa a dez anos já vai em 7,32%...
Quando passou a barreira psicológica dos 5%, em 23 de Abril de 2010, há duas semanas, como aqui assinalei, logo se percebeu que a marcha do País para uma segunda tragédia grega era inevitável.
Confirma-se agora.
Mais ainda, como muito bem acentuava o Jornal de Negócios, os juros da dívida de curto prazo (dois e três anos) são agora mais caros, desde sexta-feira, do que os da dívida de longo-prazo (dez anos), o que significa que os investidores desconfiam mais da capacidade de Portugal lhes pagar no curto prazo. De acordo com a a consulta que fiz agora no sítio do «Wall Street Journal», antes da abertura dos mercados de segunda-feira, 10-5-2010, o juro da dívida do Estado português a dois anos já vai nos 8,78%!...
Tenho insistido que importa perceber a noção de bancarrota. Um país da Zona Euro não deixa de pagar (não chega ao default) porque beneficia da proteção das instâncias comunitárias, dos outros países do euro e do FMI, pois se essas instâncias deixassem que isso acontecesse, era o próprio euro e o sistema monetário internacional que ficavam em causa.
Não haverá, portanto, aqui uma Argentina que na ressaca da dolarização da sua economia, decretou uma moratória no pagamento da dívida e limitou os levantamentos bancários a 700 dólares. Bancarrota é Portugal declarar a sua incapacidade à União Europeia e ao FMI de cumprir o pagamento da dívida se não beneficiar da caridade deles com empréstimos de favor. É essa declaração formal que eu creio que o primeiro-ministro fez aos seus colegas da União Europeia durante este fim de semana.
Nas circunstâncias aflitivas do défice e da dívida pública portugueses (que ninguém acredita tenham o valor que o Governo indica), o Estado não tem condição de suportar o pagamento deste nível de juros, e dos juros que aí vêm, pois cada vez mais os investidores reclamarão um juro maior para emprestarem dinheiro a Portugal. E, de acordo com informação de 14 de Abril de 2010, o Estado português precisa de cerca de 20 mil milhões de euros até final do ano para pagar juros e cupões de obrigações.
Este é o diagnóstico da situação actual. Nem é preciso vir o Prof. Paul Krugman explicar no seu post, de 07.05.2010, "O Nao" (sic) - citado pelo Jornal de Negócios: "Portugal não está bem: as taxas de juro estão onde a Grécia estava apenas há poucas semanas".
O fim da Economia da Mezinha, uma adaptação socratina da voodoo economics.
A bancarrota.
António Balbino Caldeira
in «Do Portugal Profundo», 09.05.2010