02/05/2010

Crise grega

O primeiro-ministro grego, Giorgios Papandreou, apresentou às confederações sindicais e patronais a "fatura social" negociada com a UE e o FMI. Prevê a supressão dos 13.º e 14.º meses no salário dos funcionários públicos e em todas as pensões de reforma; no setor privado, propõe que os dois meses suplementares sejam pagos a título de prémio, não contando para a reforma; a idade de reforma seria elevada para os 67 anos; seguem-se o aumento do IVA e revisão da lei dos despedimentos.

No dia 4 de Outubro, o PASOK (social-democrata), de Papandreou, venceu as legislativas antecipadas, tomou posse e descobriu que o défice público era de 12,7 por cento do PIB - e não seis, como tinha anunciado o governo conservador da Nova Democracia, de Kostas Karamanlis. A Grécia entrou na espiral da crise.

Entre gregos - e não só - não é com discursos de Cassandra que se ganham eleições. Karamanlis convocara eleições antecipadas para responder à contestação social, avisando que a crise financeira colocava a Grécia em situação difícil. Propunha uma "austeridade temporária", com o congelamento dos salários e das pensões por um ano. Estava sob forte pressão da UE para reduzir o défice e a mais elevada dívida pública da zona euro.

Inversamente, Papandreou fez um discurso otimista, apostando no "crescimento verde" e num ambicioso plano de investimento nas energias renováveis. Prometeu subir salários e pensões. Era a música que os eleitores queriam ouvir.

Hoje, as sondagens indicam que 70 por cento dos gregos se resignam à austeridade, embora opondo-se à "humilhação" do recurso ao FMI. O novo líder conservador, Antonis Samaras, denuncia a intervenção do FMI, que coloca o país "sob dependência", enquanto os comunistas a qualificam como "triunfo da plutocracia". No entanto, Papandreou continua a ter uma boa cota de popularidade, enquanto a Nova Democracia estagna nos 21 por cento.

O jornal «I Kathimerini» (conservador) adverte a oposição: recusar o controlo internacional significaria "a falência total"; um "populismo barato abriria caminho ao desmantelamento do nosso sistema político".

De quem é a culpa? Há uma teoria da conspiração: os especuladores estrangeiros e as agências de notação têm o euro como alvo e atacam a Grécia como elo mais fraco. Nos últimos 30 anos, todos os partidos gregos abusaram da retórica "anti-imperialista" para explicar os desastres da Grécia pelas "maquinações neoliberais" ou dos "americanos", escreve o «Eleftherotypia» (próximo do PASOK).

"Os gregos só se podem queixar de si mesmos", sublinha o diário de referência «To Vima». "E mais precisamente do governo anterior, que está na origem dos problemas financeiros de hoje. Clientelismo, despesa excessiva, débil fiscalidade, contas do Estado falsificadas, subvenções agrícolas europeias distribuídas sem critério."

O número de funcionários cresceu 10 por cento, os salários e reformas 30. Mas, "a um nível mais profundo, as "raízes estruturais" da crise encontram-se na natureza clientelista da política na Grécia", insiste o «Eleftherotypia».

Pior: a Grécia mentiu sobre as contas públicas. "A falsificação das estatísticas é uma longa tradição grega", diz George Bitros, da Universidade de Atenas. "É um fracasso imenso e sistémico e que tem as raízes na falência do sistema político, na estrutura e na falta de transparência do setor público."

A falsificação não é apenas grega. A UE sabia, os "mercados" sabiam, Atenas reconheceu-o em 2004. O resto é hipocrisia. A UE paga a sua parte de irresponsabilidade.

Papandreou reconhece agora que é preciso refazer tudo "de alto a baixo". Após o "milagre económico" que se seguiu à entrada no euro e culminou nos triunfais (e ruinosos) Jogos Olímpicos de 2004, o problema vai muito para lá do défice.

A economia grega deixou de ser competitiva e pouco exporta, o que agrava a pressão sobre a dívida. A questão fiscal é aguda. Por tradição histórica, as receitas do Estado sempre assentaram nos impostos indirectos. A fuga ao fisco é generalizada. A corrupção política, patente nos anteriores governos do PASOK, subiu exponencialmente com Karamanlis. A economia subterrânea vale de 30 a 40 por cento do PIB. Serve de amortecedor social, mas à custa das finanças públicas. Os armadores gregos têm a primeira frota mundial, ganham fortunas com as mercadorias chinesas, mas a sua sede fiscal não é em Atenas.

Após a ocupação alemã (1941-44) e a guerra civil que se lhe seguiu, a Grécia foi dos maiores beneficiários do Plano Marshall, o que lhe permitiu um primeiro surto económico. Com o fim da "ditadura dos coronéis" em 1974, a CEE apostou na sua integração para consolidar a democracia e por interesse estratégico. Começa então a ascensão da dívida. Nos anos 80, Andreas Papandreou (pai do actual primeiro-ministro) optou por redistribuir grande parte dos maciços fundos europeus sob forma de poder de compra.

"A Grécia está à beira da falência, mas os gregos são ricos" e é esta uma das chaves de leitura da crise, escreve o geógrafo francês Guy Bugel, estudioso da Grécia. A rapidez da passagem do subdesenvolvimento à prosperidade favoreceu a manutenção de um Estado "impotente e venal", uma sociedade em que "vale tudo para enriquecer" e há pouco sentido da "coisa pública".

A grande dimensão da crise não é grega, é europeia. A questão é saber até que ponto fraturou a UE e a zona euro, saber se o "vírus" vai continuar em expansão ameaçando outros Estados de falência. A única coisa segura é que deixaram de poder viver - e endividar-se - como antes da crise financeira. As regras mudaram. Os efeitos políticos não se farão esperar.

Neste contexto, o problema de Atenas é o mais simples. Papandreou apela a que os gregos façam em três anos o que não fizeram em 30. A ironia é que outros, "que não são Grécia", vão ter de seguir o conselho.

Jorge Almeida Fernandes
in «Público», 01.05.2010
 
O vaso grego, no séc. XXI, visto pelo «The Globe and Mail» de Toronto, Canadá