Ponto de Vista
A Grécia está aturdida.
A Europa agita-se: "Uma crise num pequeno país pode provocar uma tempestade global." Enervam-se a Ásia e Wall Street.
Uma semana depois da "salvação da Grécia", os países do euro enfrentam as suas "crises gregas", encavalitadas no endividamento resultante da crise financeira. Disparam os alarmes.
As "crises gregas" vão alterar as agendas políticas e as regras da zona euro. Estão em jogo não apenas a economia mas a arquitectura política do continente.
Na linha de fogo não estão apenas Portugal e Espanha.
A Itália teme vivamente o contágio. A agência Reuters Breakingviews lança um "alerta vermelho" sobre as finanças públicas britânicas. A França congela as despesas do Estado: "Estamos encostados à parede." Merkel fala num "combate entre políticos e mercados".
A mudança de clima nos mercados dos "títulos soberanos" gera perdas no sistema bancário de toda a UE, o que se traduz em dinheiro mais caro, anula a melhoria das contas públicas e torna mais difícil o relançamento económico. A Comissão Europeia prevê um crescimento mínimo em 2010-11, frisando que o relançamento é ameaçado pelos défices públicos.
O Parlamento grego aprovou o plano de austeridade do primeiro-ministro Giorgios Papandreou, ditado pela UE e pelo FMI. O clima é de depressão moral. Estas conjunturas não são "revolucionárias". Se podem levar a motins, produzem sobretudo fatalismo. "Os gregos já não sabem em quem acreditar", diz um analista. "Suspeitam de que não há alternativa ao plano governamental."
A violência na manifestação de quarta-feira em Atenas revelou impotência. O protesto mobilizou entre 20 mil e 50 mil pessoas, numa cidade de mais de quatro milhões.
O presidente da confederação sindical do sector privado (CSEE), Yiannis Panagopoulos, fez uma confissão de desespero e derrota. "Estamos a tentar recuperar do choque. (...) Os trabalhadores estão gelados, não confiam em ninguém, seguem as suas opções pessoais; a ruptura entre os do sector público e os do privado é completa e a violência cega atrai algumas pessoas."
Os funcionários servem de bode expiatório e os trabalhadores do privado não se condoem com a sua "punição". Os comerciantes juntaram-se à greve, sabendo que muitos vão fechar a porta.
O tipo de sindicalismo grego, puramente reivindicativo, obtém resultados nas fases de expansão, mas torna-se impotente quando a crise estala. Mais grave é que funcionou como dissuasor de quaisquer reformas estruturais, contribuindo para a explosão, que no fim recai sobre o mundo do trabalho. Na generalidade, o sindicalismo português não é muito diferente.
Papandreou pouco tem a temer da oposição, já que o anterior Governo da Nova Democracia é visto como o "culpado" da crise. A ameaça é outra. "Em Atenas, sopra um vento de antipolítica", escreve, da capital grega, o jornalista italiano Vittorio da Rold.
A antipolítica tem um intérprete, Andreas Vganopoulos, grande empresário e presidente do Panathinaikos, o clube de futebol de Atenas. Não é um Berlusconi grego. É um "justiceiro". Pede contas aos políticos, exige-lhes as declarações de rendimentos, à entrada e à saída dos cargos. "Para onde foram os dinheiros da UE?" É um ataque às dinastias políticas: os Caramanlis, os Papandreou, os Mitsotakis e as suas clientelas.
Numa entrevista à televisão, Vganopoulos explicou em linguagem comum como se podia ter evitado a crise financeira. Disse que "as pessoas querem caras novas na política" e que o sistema está a chegar ao fim. A sua popularidade é alta.
A maior inquietação é a ressaca económica. A Grécia não tinha escolha perante o draconiano plano da UE e do FMI porque, em caso de cessação de pagamentos, o sistema bancário desmoronar-se-ia, explicou Martin Wolf no Financial Times. "Mas entrará provavelmente em prolongada recessão."
A prazo, corre o risco de não gerar fundos para pagar o serviço da dívida, apesar das novas linhas de crédito. O plano de austeridade parece eficaz para reduzir o défice, mas o controlo da dívida é uma imensa incógnita. As altas taxas de juro são um peso insuportável para um país com a perspectiva de crescimento negativo, augurando uma contracção e não a expansão da economia.
Muitos consideram inevitável a reestruturação da dívida. Mas isto afetaria os bancos europeus, designadamente franceses e alemães, titulares de 70 por cento da dívida grega. O plano evitou a ruptura. Mas a "missão" do FMI é salvar o euro, não a Grécia.
A crise grega, dizem analistas da Reuters Breakingviews, revelou as debilidades da zona euro e será a oportunidade de a salvar, começando por obrigar os países da Europa do Sul a enfrentar as suas fraquezas estruturais, condição para a disciplina financeira.
Merkel atrasou a ajuda à Grécia, agravando a factura e abrindo uma crise no euro. Foi um cálculo frio, dizem os mesmos analistas. "Para que uma crise tenha efeito salutar, é preciso submeter o doente ao máximo de dor que possa suportar. Merkel aplicou a receita à letra. (...) Portugal e Espanha apanharam um susto." É bom saber com o que se conta.
A crise portuguesa é distinta da espanhola, mas com um ponto de partida mais grave. Se um país não faz a sua própria terapia, condena-se à "intervenção cirúrgica". As regras do jogo estão a mudar desde 2008. Os "mercados" não têm sentimentos mas só ferem quem se coloca nas suas mãos. No fim, serão os nossos parceiros "centrais" da eurozona a impor o diktat.
É interessante observar que, em Portugal, a questão das grandes obras públicas - nuns casos manifestos "elefantes brancos", noutros corretas apostas estratégicas - foi transformada num simulacro de debate ideológico sobre o investimento público e a intervenção do Estado, o que é uma denegação da realidade: esconder o horror do desastre e liquidar o que resta de soberania nacional. Irresponsabilidade política: Après moi, le déluge.
Ao contrário dos "ricos", o problema de Portugal não deriva da crise financeira mas de continuar a "divergir" da média da União, o que frustra os cidadãos e cria um círculo vicioso. A fuga para o endividamento exponencial, em lugar de promover expansão, estrangula a procura e a capacidade de investimento, público e privado.
Que aconselharia um marciano acabado de aterrar em Lisboa? Convidaria os portugueses a aprender grego - se não querem "ser Grécia".
Jorge Almeida Fernandes
in «Público», 08.05.2010
NR: a cambada socretina assinou mais um cheque careca para endividamento de Portugal com a estúpida e inoportuna adjudicação do TGV). Portugal vai pagar cara esta bebedeira.
(imagem de «The Miami Herald»)