06/11/2010

Cronologia da mentira

I. No Expresso de 9 de Outubro, Filipe Santos Costa fez a cronologia do "socratismo". Convém olhar para esta história dos últimos anos, porque ela é reveladora (vou só usar os dados económicos; os "casos" são outra história).

II. Em 2008, no meio do caos e da incerteza da tal crise internacional, José Sócrates criou a mentira número um: Portugal era um oásis, que resistia à crise internacional. Resultado: o governo baixou o IVA para 20% (um partido tem de fazer pela vidinha). Porém, meses depois, o governo nacionalizou o BPN, e começou a dizer que a crise, afinal, tinha chegado a Portugal. Neste cenário, Sócrates inventou a mentira número dois, que, aliás, permanece no menu do PS: Portugal está mal apenas e só por causa da crise internacional. O facto de Portugal não crescer a sério desde 1999 é um pormenor.

III. Em 2009, a negação da realidade atinge níveis patológicos. Com fins meramente eleitoralistas, Sócrates e Teixeira dos Santos "escondem o valor do défice" e Sócrates promete "o que outros dizem (e o tempo prova) que não pode cumprir: grandes investimentos e generosas medidas de apoio". Pior: sabendo que isso seria suicidário para as contas públicas, Sócrates e Teixeira dos Santos aumentaram a função pública em 2.9% (uma medida eleitoralista que dá voltas ao estômago). Neste ambiente populista e eleitoral, nasceu a mentira número três: aqueles que apontavam o dedo para a realidade não eram realistas, mas sim "bota-abaixistas". No mundo de Sócrates e do PS, ser-se patriota é o mesmo que obedecer ao optimismo torpe dos socialistas.

IV. Fevereiro de 2009: a apresentação do OE2010 "obriga Sócrates a assumir o défice de 2009: nem os 2,2% previstos no início, nem os 5,9% indicados em Maio, nem os 8,5% admitidos em Dezembro". O défice era de 9,3%. Mas, com uma cara de pau ímpar na nossa democracia, Sócrates afirmou que "nunca houve tanta transparência nas contas públicas portuguesas". E, depois, o que fez Sócrates? Entrou em campanha, gastando mais dinheiro em eventos (inúteis, e que apenas serviam a sua propaganda) e abrindo mais escolas e hospitais (que não pode pagar). Entretanto, Sócrates inventa a mentira número quatro: aqueles que querem reformar o insustentável estado social são os neoliberais-malvados-que-querem-fazer-mal-aos-portugueses-pobres. O Estado está a cair de podre, mas não se pode tocar no dito estado.

V. Em Maio de 2010, aparece o PEC II. Sócrates dizia que era suficiente (afinal, chegámos ao final de 2010 com um buraco de 1.8 mil milhões no Orçamento). Para terminar a história, aparece o "29 de Setembro", e os episódios dos últimos dois meses. Caro leitor, vamos ser honestos: V. emprestava dinheiro a este indivíduo?
Tendo em conta este historial, V. emprestava dinheiro a este governo?

Henrique Raposo
in «Expresso», 05.11.2010