Némesis era deusa da Grécia antiga da vingança e do castigo dos comportamentos anti-sociais. No mundo moderno a Némesis são os mercados e a Grécia moderna está a saborear a sua vingança. E Portugal anda a pôr-se a jeito.
Numa Tomada de Posição, injustamente negligenciada, em meados de Janeiro deste ano, a SEDES chamou a atenção para o perigo e para as consequências do excessivo endividamento do Estado. E que esse problema era, antes de mais, responsabilidade deste Governo; mas também de cada cidadão. A responsabilidade do Governo é óbvia; no entanto, a responsabilidade de cada cidadão tem uma dupla aceção. Por um lado, se não fizermos sentir aos políticos, a todos eles, que estamos fartos da sua má gestão da coisa pública, então merecemos tudo o que se passa; por outro lado, é nossa responsabilidade porque somos nós que pagamos os desvarios do Estado. E vamos pagar caro e com juros altos.
Esta debilidade financeira do Estado conduz, desde logo, a um Estado Fraco. Quem negoceia com este Estado sabe que está a negociar com um Estado em estado de necessidade. Os negócios que se revelam serem simples negociatas aparecem todos os dias nos jornais. Nas palavras da comunicação social atribuídas a João Cravinho, temos um Estado onde campeia a corrupção política.
Além disso, em segundo lugar, um Estado excessivamente endividado é um Estado Incapaz, porque não tem recursos para satisfazer o mínimo de Estado que todos exigem. A administração da justiça é o exemplo mais grave, e sem ela não há verdadeira cidadania. É a democracia que está em causa, lenta e inexoravelmente.
Em terceiro lugar, este estado de coisas implica um Estado Injusto. A proteção social, os subsídios de desemprego, a ajuda aos mais vulneráveis não se pode realizar por completa falta de recursos. E a educação e a saúde públicas não deixarão de ser fortemente afetadas. Estamos a começar a viver esse estado de coisas.
Em quarto lugar, um Estado excessivamente endividado é um Estado-Problema. Ou seja, não é um Estado que ajuda a resolver problemas mas, pelo contrário, é um Estado que é causa de mais problemas para o resto da sociedade. As empresas e as famílias vão pagar juros excessivos, o sistema financeiro debilita-se, o crescimento tarda, o desemprego só pode aumentar e os salários (para aqueles que o têm) só podem baixar. Tudo isto porque o Estado está demasiadamente endividado e sua reputação nos mercados é má.
Temos hoje, aparentemente, um Estado mais pequeno que há três décadas atrás: menos empresas na sua mão, regras de intervenção aparentemente mais claras, supervisão e regulação mais independente. Mas essa aparente pequenez do Estado não nos trouxe um Estado mais eficaz, mais justo e mais amigo do cidadão. Bem pelo contrário.
Como dizia a SEDES, "é sintomático que o futuro próximo do país esteja hoje mais dependente do que nunca da notação de empresas de rating, do desenlace da crise grega, ou da eventual falência de um banco estrangeiro, e, aparentemente, menos dependente de nós próprios". É sintomático e é triste.
O estado do Estado é muito grave e este terá capacidade limitada para cumprir as suas funções essenciais, por muitos anos. As suas funções sociais e de apoio aos mais vulneráveis estão já em crise. E a culpa é dos Governos da última década e, em particular, do actual. Mas também é culpa de todos aqueles que pensavam, escreviam e lutavam por um Estado gastador e se opuseram a medidas de consolidação orçamental em devido tempo. Por isso, os portugueses vão ter mais injustiça social, mais desemprego e pagar juros mais altos. Há alternativa? Claro que há. Se nada for feito os portugueses vão ter ainda mais injustiça social, ainda mais desemprego e pagar juros ainda mais altos. É escolher, Némesis vingou-se e o PEC é o seu instrumento.
Luís Campos e Cunha, Professor universitário
in «Público», 02.04.2010