O programa de redução do défice das contas do Estado, o PEC (Programa de Estabilidade e Crescimento), foi elogiado por várias organizações internacionais. E os mercados não o receberam mal. Mas, por cá, o PEC tem sido alvo de um coro de críticas, vindas até do interior do PS. Críticas onde não faltam equívocos.
De facto, aquele programa nada tem a ver com o optimismo irrealista que o Governo apregoava até há pouco e com as promessas eleitorais. As pessoas ficaram baralhadas, mas o mal não está no PEC - está nas ilusões anteriores.
Se as previsões de crescimento económico do PEC fossem mais altas, permitindo estimar maior receita fiscal e menores gastos com subsídios de desemprego, os mercados não acreditariam. A prudência do PEC é, assim, um factor de credibilidade. Aliás, o Banco de Portugal apresentou previsões ainda mais pessimistas.
A realidade que muitos tentam ignorar é que a economia portuguesa terá um crescimento débil nos próximos anos. Primeiro, porque leva tempo a desejável reconversão da estrutura produtiva e exportadora nacional, de atividades cuja competitividade era baseada nos baixos salários para bens e serviços de maior valor acrescentado.
Outro travão ao crescimento económico do país é o nosso principal mercado, Espanha, ainda estar em recessão. E o próprio PEC terá efeitos recessivos. Descendo o défice público e diminuindo o consumo das famílias com a baixa do rendimento disponível, só haveria expansão económica se o investimento empresarial espevitasse (altamente improvável para já) e as exportações disparassem (idem).
Decerto que a austeridade pode revelar-se expansionista, a prazo, se o PEC, sendo cumprido, suscitar confiança nos agentes económicos. Mas, para isso, há primeiro que apertar o cinto. E se o ataque ao défice orçamental não for credível, o resultado será uma nova recessão, alerta o Banco de Portugal. Ou seja, não há saída airosa - mas vivemos assim há quase uma década. E só quebraremos o ciclo vicioso quando tivermos posto em ordem as contas públicas.
As críticas à falta de "crescimento" no PEC são, pois, desfocadas. Assim como mal se entende a crítica à redução do consumo, quando gastamos mais de 10% acima daquilo que produzimos, cobrindo a diferença com empréstimos externos, o que agora nos coloca dependentes dos mercados.
Curioso, ainda, é o lamento pelo "ataque à classe média". Onde é que pensam ser possível ir buscar dinheiro? Aos ricos, que têm meios para se porem fora do alcance do fisco? Aos pobres? Foi na classe média, e sobretudo na classe média baixa, que o consumo mais cresceu. Por isso esta larga faixa da população vai ser a que mais sentirá a austeridade.
Não há injustiças na distribuição dos sacrifícios impostos pelo PEC? Há, mas não tantas como se diz. As prestações sociais, que subiram muito nos anos recentes, apenas baixam de 21,9% do PIB em 2009 para 21,3% em 2013. E justifica-se um maior rigor no subsídio de desemprego, para que este não se torne, para alguns, numa forma de vida.
Claro que o PEC sofre de um vício de fundo: não corta a sério e de forma estrutural na despesa, assim tendo de agravar impostos. São congelamentos, tectos, etc., tudo remendos temporários. Mas como poderiam surgir esses cortes estruturais sem, antes, ter havido uma redefinição das funções prioritárias do Estado - uma reforma do Estado, afinal? Nunca o Governo se interessou por este assunto. Pouco, de resto, contribuíram as oposições para tal reforma com propostas.
Outro alvo legítimo de crítica está em manter alguns grandes projetos (a linha do TGV para Vigo havia sido adiada... pelo governo de Madrid). Também criticáveis são as privatizações previstas, fora de qualquer estratégia económica e a realizar, em desespero, numa péssima fase do mercado.
Por outro lado, o Governo "vendeu" mal o PEC, na linha habitual de esconder a verdade aos portugueses. Começou por dizer que não haveria aumento de impostos, tentando enganar as pessoas com uma habilidade semântica. E foram mal e tardiamente explicadas várias medidas do PEC.
Poderá o PEC ser melhorado? Não parece que o Governo o tenha querido negociar. A demora na escolha do novo líder do PSD deu-lhe um álibi. Mas não discutiu as propostas do CDS e do BE.
Tudo visto e ponderado, o PEC é um mal necessário e um mal menor, considerando as alternativas.
Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista
in «Público», 05.04.2010