I. Tal como salientou João Vieira Pereira (Expresso de Sábado), alguma coisa não está bem na venda da Vivo. Eu acrescento: o que não está mesmo nada bem é a actuação do nosso distinto primeiro-ministro, Sua Alteza José Sócrates, o génio da economia. Ora, vamos lá recorrer a esse instrumento fora de moda chamado "cronologia".
II. Sócrates começou por dizer que a PT não devia vender a Vivo, porque a Vivo era do "interesse nacional". Pois, pois. Passadas três semanas, este raciocínio desapareceu. A Vivo foi vendida, e o mesmo Sócrates veio dizer que "sim, senhora". O que mudou nestas três semanas? Bom, mudou a proposta da Telefónica. Se não estou em erro, a empresa espanhola, depois do bloqueio provocado pela golden share, meteu mais 350 milhões de euros em cima da mesa. Perante isto, pergunta-se: o "interesse nacional" é vendável apenas por 350 milhões? Pior: como é óbvio, esta venda não beneficia o país no seu todo; beneficia apenas os acionistas privados. Ou seja, objetivamente (repito: objetivamente), o "interesse nacional" de Sócrates beneficiou apenas os acionistas privados da PT. Meus amigos, as empresas devem fazer pela vidinha. Não há cá anjinhos no mundo dos negócios. Mas é irritante perceber que o sagrado e imaculado "interesse nacional" defende apenas os interesses privados dos acionistas das empresas com golden share.
III. Mas vamos lá pensar noutro - hipotético - cenário, um cenário onde os acionistas privados também são prejudicados. Se era do "interesse nacional" manter a Vivo, Sócrates devia ter mantido a sua posição inicial. Se era para vender a Vivo, então arrecadava-se o dinheiro e, depois, com tempo, investir-se-ia o dinheiro noutro sítio. Mas não foi isso que aconteceu. Como salienta João Vieira Pereira, "a PT foi obrigada por Sócrates a ir, a correr, às compras no Brasil". Assim, devido a esta pressa socrática, a golden share acabou por custar dinheiro à PT. A posição na Oi valia - no mercado - 2,8 milhões de euros, mas a PT comprou-a por 3,7 milhões. Esta diferença (900 milhões) é superior aos dividendos gerados pelo primeiro "não" de Sócrates (350 milhões).
IV. Portanto, alguém é capaz de me explicar esta espessa irracionalidade económica? José Sócrates deu aquele primeiro "não" apenas para subir uns pontinhos nas sondagens, enquanto cavaleiro anti-Castela? É só isso? Ou há aqui mais qualquer coisa? Quem ganhou o quê com este negócio? É que o país não ganhou nada, e a PT - enquanto multinacional - também não.
Henrique Raposo
in «Expresso», 02.08.2010