Alegadamente, o primeiro-ministro aprovou (ou, pelo menos, conhecia) um plano secreto e pouco saboroso para remover alguns críticos, que o irritavam, fazendo comprar a TVI e parte da imprensa por gente da sua confiança.
As criaturas que ele queria exterminar eram, entre outras, o casal José Eduardo Moniz-Manuela Moura Guedes, como responsável pelo Jornal de Sexta, e José Manuel Fernandes, como diretor do PÚBLICO.
Isto, a ser verdade, roça o absurdo. Nem o Jornal de Sexta, nem o PÚBLICO tinham o poder de pôr em risco o Governo ou sequer de afetar significativamente o prestígio e o estatuto de Sócrates. Se alguém tinha esse poder era o próprio José Sócrates, para não falar no grupo obscuro e anónimo, que, segundo se depreende dos documentos que o Sol revelou, o serviu zelosamente no terreno.
Não vale a pena insistir na ilegalidade e, sobretudo, na profunda imoralidade da operação, se por acaso existiu como a descreveram. Em qualquer sítio para lá de Badajoz, nenhum político sobreviveria um instante a essa grosseira tentativa de suprimir com dinheiro público o livre exame e a livre crítica, que a Constituição e os costumes claramente garantem.
Mas não deixa de surpreender (e merecer comentário) que um primeiro-ministro de um partido que se gaba das suas tradições democráticas, declare por sua iniciativa, e sem razão suficiente, guerra aberta à generalidade dos media, que não o aprovam, defendem e bajulam. Não há precedentes na história deste regime de um ódio tão obsessivo à discordância, por pequena que seja, ou a qualquer oposição activa, de princípio ou de facto.
O autoritarismo natural de Sócrates não basta para explicar essa aberração na essência inteiramente inexplicável. Tanto mais que ela o prejudica e dá dele a imagem de um homem inseguro e fraco. Pior ainda: de um homem desequilibrado e perigoso.
A única hipótese plausível é a de que o primeiro-ministro vive doentiamente no mundo imaginário da propaganda. Ou melhor, de que, para ele, a propaganda substituiu a vida: Sócrates já não partilha ou nunca partilhou connosco, cidadãos comuns, a mesma perceção de Portugal. Do "Simplex" que nada simplifica ao estranho melodrama sobre as finanças da Madeira que nada pesam, aumenta dia a dia a distância entre o que país vê e compreende e o que o primeiro-ministro afirma enfaticamente que é.
Está perto o ponto em que só haverá uma solução: ou desaparece ele ou desaparecemos nós.
Vasco Pulido Valente
in «Público», 07.02.2009