Os mercados financeiros enganam-se. Nem sempre agem racionalmente. E tendem a ceder ao "instinto de rebanho": todos vão atrás. As agências de rating falharam redondamente no início da crise financeira e têm conflitos de interesses (muitos avaliados pagam ao avaliador). O comissário Almunia e vários analistas internacionais traçaram um paralelismo indevido entre a situação grega e a nossa.
Tudo isto é verdade, mas não é o mais importante. O essencial é que Portugal transmitiu sinais errados aos mercados, aos agentes económicos, às pessoas. A começar pelo optimismo sistematicamente apregoado pelo Governo até há semanas. Éramos dos primeiros a sair da recessão, os nossos males resultavam da grave crise internacional, as contas públicas tinham sido postas em ordem, etc. A única crise de que o Governo falava era a internacional: a nossa, a que nos faz perder competitividade e crescimento e nos endivida face ao estrangeiro, essa crise era tabu. A mensagem de Ano Novo do Presidente da República foi um choque, porque disse a verdade.
Criaram-se expectativas contrárias ao apertar do cinto que teremos de fazer. Afinal as contas do Estado estão muito desequilibradas. O défice de 2009 foi uma péssima surpresa, para mais sabendo-se que o programa anticrise do Governo português é proporcionalmente bem inferior ao da Espanha e aos de outros países. O crescimento económico está anémico e assim continuará enquanto não recuperarmos competitividade. E como continuamos a gastar acima do que produzimos, o endividamento externo cresce, estrangulando o país.
Outro sinal negativo é o Orçamento para 2010. Sem alterações na estrutura e nas funções do Estado, a despesa não desce. E cresce a desorçamentação com as parcerias "faça agora, pague depois", hipotecando o futuro. Isto sem falar no buraco na Saúde, nos défices das empresas públicas ou no que o Estado vai gastar a mais com os professores. Compreende-se que não tenha sido entusiástica a reacção dos mercados ao Orçamento.
Mas houve outros sinais errados. A crise política em torno da Lei das Finanças Regionais pode estar ultrapassada, mas os mercados registaram a facilidade com que, depois de PSD e CDS terem viabilizado o Orçamento, surgiram problemas - outros podem aparecer. Por exemplo, no debate na especialidade do Orçamento.
Com o Governo inflexível quanto à Madeira (rejeitando o apelo do Conselho de Estado para procurar compromissos), a dramatizar e a sugerir que poderia provocar eleições antecipadas, foi dado um sinal de instabilidade política. Ora esta é incompatível com as medidas duras que será preciso tomar pelo menos até 2013. Logicamente, os mercados assustaram-se.
Também o PSD e os outros partidos emitiram sinais errados. Alberto João saudou com entusiasmo a hipótese de Sócrates se demitir, ignorando o que tal representaria para a nossa credibilidade externa, quatro meses depois das últimas eleições.
Numa altura em que a prioridade é a redução da despesa, não faz sentido aumentá-la para a Madeira, ainda que pouco. Até porque aquela região tem hoje um rendimento por pessoa superior à média nacional - mérito de Jardim. E regista um enorme endividamento. Vítor Bento tem razão: a Madeira deve é ajudar as regiões mais pobres do continente.
Com esta iniciativa desautorizou-se o PSD, que antes dava uma imagem realista da situação financeira do país. Talvez porque, incompreensivelmente, ainda não dispõe de um novo líder eleito e legitimado, capaz de enfrentar Jardim e de inspirar confiança ao tomar compromissos para o futuro. Recordo que Passos Coelho, candidato a líder do PSD, já pôs em causa a estratégia de M. Ferreira Leite na viabilização deste Orçamento. Os mercados notam que nada garante que a actual posição do PSD se mantenha daqui a meses.
Ora a oportunidade para transmitir um sinal positivo aos mercados e uma mensagem realista aos portugueses está no programa que daqui a 15 dias será apresentado em Bruxelas, para até 2013 reduzir o défice das contas públicas abaixo de 3% do PIB. O documento apenas será credível se contiver medidas severas e se tiver um sólido apoio pluripartidário. Se tal não acontecer, não valerá a pena queixarmo-nos dos estrangeiros malvados, seja dos mercados ou das agências de rating.
Francisco Sarsfield Cabral, Jornalista
in «Público», 08.02.2010