Há 37 anos, os franceses viam O Último Tango em Paris.
Os portugueses tiveram de esperar por Agosto de 1974. Já os espanhóis, pelo menos os que residiam no Norte, tiravam proveito da sua localização geográfica e aos fins-de-semana metiam-se no carro, passavam os Pirenéus, faziam compras nos supermercados franceses (nesses tempos pretéritos o comércio regia-se pelos princípios daquele cartaz d’Os Verdes que nos manda comer produtos nacionais: um supermercado francês tinha as prateleiras cheias de coisas francesas difíceis de encontrar em Espanha) e davam animação às salas de cinema gaulesas onde podiam ver aquilo que literalmente a censura espanhola lhes tirava da frente dos olhos. O Último Tango em Paris terá mesmo gerado uma espécie de excursionismo cinéfilo.
Foi precisamente o desejo de ver o que em Espanha não se podia ver que nesse ano de 1973 levou José Humberto Fouz Escobero, de 29 anos, Jorge Juan García Carneiro, de 23, e Fernando Quiroga Veiga, de 25, a vestir fato e gravata e atravessar a fronteira de Irún. Uma ida a uma discoteca em França também fazia parte dos seus planos. Foi na discoteca que um comando da ETA os viu.
Fosse por estarem de fato ou por serem novos e bem constituídos, a verdade é que os homens da ETA se convenceram que estavam perante polícias espanhóis à paisana. Do que sucedeu daí em diante só se sabe seguramente que os três jovens galegos nunca mais foram vistos. O restante, que é tenebroso, tem sido reconstituído a partir das declarações soltas de etarras e fala de torturas inimagináveis até que aos algozes se tornou evidente que estavam apenas perante três rapazes que tinham ido ver O Último Tango em Paris. A ETA, que então passava por antifascista e gozava de largas simpatias nos sectores democráticos, ocultou estes cadáveres que testemunhavam a sua barbárie.
Há algum tempo que tinha pensado escrever sobre José Humberto Fouz Escobero, Jorge Juan García Carneiro e Fernando Quiroga Veiga. Talvez a data mais apropriada fosse na semana de 23 de Março, dia em que desapareceram. Mas antecipei essa decisão ao ouvir na rádio as declarações de Teletxea Maia sobre a tortura que a polícia espanhola exerce sobre os acusados de pertencerem à ETA. Não é segredo para ninguém que foi usada tortura no interrogatório a etarras na ditadura e também na democracia, e é esta última que para o caso interessa. Mas não só esse procedimento foi e é condenado com veemência pelos responsáveis espanhóis como foram feitos inquéritos e houve condenações, nomeadamente a do ex-general Galindo.
O que até agora nunca se ouviu foi um pedido de desculpa por parte da ETA. Nem sequer, ao fim destes 37 anos, os seus membros entenderam ser já tempo de deixar as armas ou, pelo menos, de dizer onde está o que resta dos corpos desses três rapazes que puseram fato domingueiro para irem ver O Último Tango em Paris.
Helena Matos
in «Público», 25.02.2010