O princípio da gratidão foi já chão que deu uvas. Nos tempos que correm, enraíza cada vez mais a convicção de que não há bela sem senão. O sentimento é universal e tal como a água mole fura a pedra dura quando tanto bate, também a ideia vai minando as relações entre humanos até à desconfiança e falsidade total, de que já estivemos bem mais longe.
Também por isso, mas também por culpa dos próprios, o mundo assistiu nos últimos anos ao crescimento de um antiamericanismo primário, trabalho fundamentalista de um mundo árabe tantas vezes irracional, mas também de uma certa esquerda ocidental capitalista, hipocritamente saudosista de um mundo menos capitalista.
A forma como de repente começa a ser questionado o papel de liderança que os EUA assumiram no processo de ajuda aos haitianos, na sequência da tragédia que se abateu sobre o país, não deixa de ser bem elucidativa desta epidémica desconfi ança que alastra, assim como são sinal de profunda sonsice as preocupações manifestadas publicamente quanto ao número de efectivos que os Estados Unidos têm no terreno. E, no entanto, se não fossem eles a catástrofe seria maior… muito maior.
A realidade é que ainda o mundo estava a acordar para a dimensão da tragédia e já os americanos se encontravam no ar a caminho do local. Falava a França na necessidade de uma
conferência internacional e já os homens de Obama repunham a operacionalidade do aeroporto de Port au Prince, possibilitando a chegada da ajuda humanitária internacional. Atrapalhavam-se os portugueses com um complicado voo de ajuda e já os marines estavam aos milhares no Haiti para assegurar a quem chegasse as mínimas condições de segurança
para trabalharem. Desesperavam os médicos de todo o mundo pela ausência de condições mínimas de trabalho e atracava nas águas haitianas um navio-hospital com a bandeira das estrelas e faixas. Etc… etc… etc..
E isto é apenas um exemplo dos muitos que, infelizmente, têm sucedido nos últimos anos, sempre com um denominador comum: prontidão da resposta e força de meios disponibilizados pelos Estados Unidos da América. A verdade é que o mundo vive dependente de Washington. Não gosta disso, mas vive. Obviamente que não são nenhuns santos, mas, caramba, o diabo também não o são com certeza. E se existe algum país que se aproxima minimamente da imagem do bom samaritano é com certeza aquele que Cristóvão Colombo deu a conhecer ao Velho Continente. Por isso, se um dia nos acontecer algo de semelhante ao que aconteceu ao Haiti (bater prontamente três vezes na madeira), por favor, sejam patriotas e abram imediatamente alas aos americanos.
José Agostinho Pereira, Vila Nova de Famalicão
in «Público» 27.01.2010