Só escreveu um discurso em toda a sua vida. As outras centenas, na Assembleia da República, nas comissões políticas, nos congressos, fê-los todos - mesmo todos - de improviso. E já fez centenas de discursos, intervenções, interpelações e declarações.
Pedro Passos Coelho começou cedo na política. Era um menino sério, "um parvo" diziam às vezes os seus amigos do liceu Camilo Castelo Branco, em Vila Real, que não compreendiam por que raio de razão o Pedrocas gostava mais de falar com os amigos do pai do que com eles. O Tintin, o Zorro e o Mandrake passaram-lhe depressa. Mas, vamos ao início, Pedro Manuel Mamede Passos Coelho nasceu em Coimbra em 24 de Julho de 1964. Os pais eram de Trás-os-Montes, família de pequenos industriais de madeira. O seu pai, António Passos Coelho, 84 anos, é médico pneumologista e foi dirigente do PSD em Vila Real. E chegou aos órgãos nacionais do partido no tempo de Sá Carneiro, conta um amigo.
A liberdade africana
António Passos Coelho abandonou a direção do sanatório do Caramulo e foi para Angola, levando com ele a família: a mulher e os filhos, Teresa, Paulino e Pedro. "Em África fui sempre um miúdo à solta", conta Passos no seu livro «Mudar».
Pedro saía de manhã, almoçava numa cubata, brincava com os meninos tuberculosos, lanchava noutra cubata e ia brincando, até outra família lhe dar jantar numa outra cubata. Assim, com seis anos, aparecia em casa pelas nove da noite. Já nessa altura Pedro Passos não tinha medo.
Foi em Silva Porto, capital do Bié, que se iniciou nas tertúlias do pai. Assistia às conversas entre o pneumologista, o diretor do hospital, o delegado de saúde, o intendente, o administrador e o próprio governador. Ouvia e aprendia. Ainda hoje tem a mania que é médico.
"Faz diagnóstico e automedica-se", brincam os amigos. Em Silva Porto, Pedro não gostou do colégio de freiras em que fora matriculado. Descreve-o assim no seu livro: "Era preciso, antes da aula, passar pela capela, onde se tinha de estar de penitência, de braços abertos. Isto, para uma criança de seis anos, era uma coisa insuportável. Não gostei nada daquilo, do ambiente, dos medos que incutiam às crianças, monstros, diabos, infernos."
Teimoso, conseguiu que os pais o mudassem para a escola pública, que ficava mesmo ao lado de casa. Saltava o muro do jardim e estava no pátio da escola. Fez a terceira classe na cama, atacado por doença renal aguda. Entretanto, entrara para os Maristas. Mas ali a religião não era obrigatória e não havia monstros nem medos.
Pedro lembra-se do exame da quarta classe, nos Maristas. "O meu pai ofereceu-me uma caneta de tinta permanente para fazer o exame escrito. Recordo-me também de ter feito as orais: geografia, matemática e português".
A primeira personalidade que o impressionou foi a de António Soares Carneiro, então major, que também falou de improviso durante toda a sua vida. "Aquele homem não se repetia" escreve Passos, que aos 16 anos colaborou na campanha presidencial do general.
Regressa a Trás-os-Montes deixando para trás o pai, que havia de reunir-se à família em 1975, já depois da independência de Angola. O choque de trocar as planícies africanas pela aldeia de Valnogueiras, Vila Real, misturou-se, na cabeça de Passos Coelho com a estranha surpresa de viver numa aldeia belíssima mas escura e triste.
Sem eletricidade, nem saneamento, nem água canalizada, nem televisão. Nem pretos. Para quem crescera na capital do Bié e convivera diariamente com pessoas de outra cor, a diferença era assinalável.
Passos Coelho não é racista. Aliás, casou há sete anos com Laura, com quem teve a sua terceira filha, Júlia, agora com três anos. Fisioterapeuta, Laura é guineense mas está habituada a passar por cabo-verdiana porque "as pessoas pensam que todos os guineenses são pretos retintos", diz bem-humorada. E Laura é bastante clara. De pele também.
E simpática, diga-se. Do seu anterior casamento, com Fátima Padinha - a Fá das Doce - tinha já duas filhas, Joana e Catarina. Pedro Passos é um pai dedicado. Sempre fez questão de dar banho às filhas e de brincar com elas. E não poucas vezes é ele quem dá o jantar "à garotada toda", como costuma dizer.
Da aldeia do avô, a família mudou-se para Vila Real. Por pouco Pedro não teve como professor o famoso Padre Max, morto durante o Processo Revolucionário Em Curso (PREC). O padre da UDP dava aulas de francês ao Tó Mané, um dos colegas de quem Pedro ficaria amigo. Tó Mané, ou melhor, António Manuel Correia Dias, hoje empresário de sucesso em Vila Real, tem mais três anos do que Pedro.
Fala do miúdo que viera de Angola e tinha o descaramento de concorrer à associação de estudantes contra os mais velhos. E de ganhar.
Vila Real era palco de uma guerra política extremada naqueles tempos revolucionários. "Até Franck Carlucci, [antigo director da CIA e depois embaixador dos Estados Unidos da América em Lisboa], lá foi", lembra Correia Dias. "Não sei de onde lhe vinha aquela postura. Ele andava sempre com pessoas mais velhas. Cresceu muito mais depressa do que nós.
E sempre soube o que queria: queria ir para Lisboa", diz Tó Mané. E reforça "o Pedro era visto pelas pessoas como um 'jovem adulto', não como um miúdo, mesmo aos 15 anos!" O amigo conta que Pedro tinha mais de 20 apaixonadas "as transmontanas não são cegas!". Nem suspeitou de muitas delas. Teve a primeira namorada aos 16. Ela tinha 20 anos. "O discurso dele era muito adulto. E gostava mesmo de acompanhar pessoas mais velhas.", lembra Correia Dias.
Outro que se lembra bem de Passos é o antigo jornalista Alexandre Parafita, que trabalhou em "O Comércio do Porto" e dirigiu o semanário transmontano "A Região".
Foi lá que Parafita escreveu um curto artigo sobre o jovem vila-realense, estudante de Matemática, que acabara de ser eleito Secretário-Geral da JSD. O título era: "Pedro Passos Coelho, um jovem que promete..." Alexandre Parafita diz que tentou levar Pedro para o jornalismo, "aproveitando as suas qualidades vocais, que já então eram notáveis". O rapaz, porém queria era a política.
E foi a politica que o trouxe a Lisboa. Veio para estudar Matemática. Mas a JSD tomava-lhe todo o tempo. Foi secretário-geral aos 20, e presidente aos 26. Eleito deputado em 1991, viria a integrar a Comissão Política Nacional (CPN) do PSD de Cavaco Silva. Muitos se lembram de o jovem Pedro ter feito frente a Cavaco Silva. Um dos motivos era a política de Educação.
Era então ministra, curiosamente, Manuela Ferreira Leite. Passos Coelho teve como secretário-geral Miguel Relvas, que ainda hoje é o seu braço direito. Mas havia outros. Como Jorge Moreira da Silva, que também foi seu secretário-geral e lhe sucedeu na após três mandatos na Jota.
Entre os seus companheiros contou-se Pedro Pinto, outro antigo presidente da JSD que muito ajudou Pedro nesta campanha interna. E Jorge Paulo Roque da Cunha, médico, que esteve com Pedro Passos nas bancadas do Parlamento. Um dos episódios em que Passos mostrou a sua frieza passou-se com o seu amigo Luís Nobre, hoje advogado. Manuel Dias Loureiro, então braço direito de Cavaco Silva no PSD, apresentou a Passos e lista da CPN a qual incluía apenas um representante da JSD, o próprio Pedro.
Passos foi inflexível: ou Luís Nobre entrava na lista ou ele saía. A lista, que já estava pronta, foi mesmo alterada. E ninguém soube que houvera um braço de ferro e que este fora ganho por Passos. A mesma discrição foi usada, muitos mais tarde, quando abandonou a CPN presidida por Marques Mendes. Passos deixou de ser vice-presidente e ninguém soube os motivos pelos quais se zangara com Mendes.
Mais: ninguém chegou a saber que se zangara, mas apenas que saíra. Manteve a lealdade até ao fim. Sem comentários. Outro episódio que retrata bem Pedro Passos é a sua recusa de receber a subvenção vitalícia da Assembleia. Foi o único deputado que a recusou. E fê-lo por uma questão jde princípio.
Quem viveu em África tem outra forma de ver e uma mente mais aberta!
in «Portais»