23/04/2011

Empresários de sucesso para o governo

Há boatos cíclicos, dizendo que governantes contratarão empresários de sucesso para reformar o governo. Raramente eles se materializam, e mesmo quando isso acontece, mais raramente ainda dão certo.

A regra básica do sucesso empresarial é triunfar no mercado, enfrentando concorrência, tomando decisões estratégicas recebidas de clientes que consomem, ou não, os produtos e serviços de empresas. As mensagens são rápidas e eficientes. Alguns mercados são mais estáveis: tijolos e materiais básicos de construção, por exemplo; outros, menos. Às vezes, o segredo está na compra, como é o caso do mercado da moda: empresários e empresárias compram - ou mandam produzir- o que acham que será vendido. Esse é um dos maiores e mais dinâmicos mercados do Brasil, com trocas de coleções e uma incessante busca de novidades rentáveis. Errar na mira e comprar produtos que encalham é um risco altíssimo.

Em outros, o segredo está na venda e na performance como, por exemplo, no futebol e no humor. Os deputados Romário e Tiririca sabem disso. No futebol, o mercado testa o produto (jogador) a cada partida e no humor a cada show. Se caem as vendas, as audiências, ou se as torcidas começam a reclamar, adeus craque e adeus palhaço.

No governo, nada disso acontece. Para começar, há uma dissonância: quem manda, de direito, tem contratos de 2 ou 4 anos (a duração dos mandatos). Quem executa é estável por uma carreira inteira e não pode ser mandado embora. Além do mais, a clientela só pode votar nos políticos a cada 2 ou 4 anos. Nos burocratas, não vota nunca. Por isso, a figura do empresário-ministro, com frequência não dá certo. O governo não é um mercado. Tem algumas regras de mercado altamente regulado, que são exercidas a intervalos mais longos - as eleições - mas que não atingem os executores das decisões, que são concursados para a vida inteira. Nenhum mercado tem capacidade de puni-los.

Delfim Neto, o todo-poderoso ministro da fazenda nos governos militares, contou-me uma vez que, quando chegou ao Ministério, ninguém obedecia às suas ordens. Só o faziam quando ele dava as ordens erradas e, nas palavras de Delfim, "aí eles cumpriam com todo o afinco e dedicação e morriam de rir de mim quando dava errado. Demorei cerca de seis meses para conseguir controlar a máquina do Ministério", isso dentro de um regime autoritário. Os burocratas sabem quando vai dar errado, os ministros que vêm de empresas não sabem. As regras no imperfeito mercado de decisões governamentais são completamente diferentes daquelas das empresas, dada a ausência das mensagens instantâneas e inequívocas dos mercados de bens e serviços privados.

No governo, nada disso acontece porque os consumidores não têm escolha de que produtos governamentais consumirão. São forçados a consumir os que são oferecidos em sistema de monopólio, ou simplesmente ficam sem o serviço. Se estiverem insatisfeitos, fora reclamar com o bispo (e não se fazem mais bispos como antigamente), só resta a oportunidade de não reeleger um político na eleição seguinte, fato que terá impacto próximo de zero sobre os prestadores de serviços. Quando, por exemplo, a telefonia era estatal no Brasil, uma linha telefônica podia custar uma fortuna e/ou demorar de 10 a 20 anos para ser entregue.
Meu primeiro ato de cidadania formal foi praticado aos dezasseis anos de idade: pedi autorização a meu pai para tirar uma carteira de identidade (já houve isso para menores de 18 anos). No dia em que fui buscá-la, no Rio de Janeiro, minha primeira parada saindo da repartição em que tinha pegado a carteira foi na Companhia Telefônica Brasileira, que era estatal, para entrar na fila do telefone.

Fiz isso em dezembro de 1958. Terminei o segundo ciclo, perdi um ano fazendo serviço militar obrigatório, entrei para a faculdade, formei-me, virei bacharel, trabalhei um ano e ganhei uma bolsa de estudos. Mais de dez anos depois, quando estava estudando em Chicago, meus pais tiveram a grata surpresa de receber uma carta avisando que iriam instalar o meu telefone, coisa que ninguém recusava. Uma linha telefônica era um bem que podia ser usado, alugado, vendido ou legado em herança. Tinha gente que vivia de alugar telefones. Havia até uma "bolsa" de linhas telefônicas.

Os cidadãos não tinham nenhuma capacidade de mandar aos governantes uma mensagem eficaz dizendo que queriam telefones. Assim, os consumidores que se danassem. Bastou privatizar a telefonia e no Brasil passou a haver sobra de telefones. Qualquer um pode ter mais de um se quiser. E mais, se não estiver satisfeito com uma prestadora de serviços, pode ir para outra e ainda levar o número. Mesmo este sendo um mercado muito limitado, regulado por uma agência governamental que limita a concorrência, a toda hora as pessoas mudam, sobretudo no caso dos celulares.

Mas não existe NENHUMA área de serviços prestados pelo governo que dê escolhas aos consumidores para que eles possam mandar mensagens mais eficazes aos prestadores de serviços para que estes mudem seus comportamentos ou melhorem os serviços que prestam. Nas áreas de serviços prestados por "concessionárias", há sempre as agências reguladoras, que funcionam como uma espécie de para-choques. Elas impedem que o impacto dos desejos do mercado tenha capacidade de causar sérios e rápidos danos no bolso dos prestadores de serviços.

É por essas e outras que empresários bem sucedidos não dão certo no governo: eles não dispõem de um mecanismo eficaz para receber comunicações do mercado. Mesmo quando "percebem", de alguma maneira, que algo não está funcionando bem, sua capacidade de dar uma ordem à burocracia estatal e fazer com que ela seja cumprida é próxima do zero. Por isso, vamos parar de acreditar que empresários darão jeito nos governos - quaisquer governos - e deixemo-los seguir sendo empresários pois, como tais, poderão nos prestar serviços mais úteis, melhores e mais baratos.

A verdadeira batalha é para diminuir o governo, privatizando serviços sem monopólios ou oligopólios regulados. Só assim cidadãos poderão ter melhores serviços, sem esbarrar na indiferença de burocratas profissionais e na impotência de autoridades competentes no setor privado mas burocraticamente impedidas de fazer cumprir o que, de alguma forma, sabem que o mercado quer.

Alexandre Barros, cientista político (PhD, University of Chicago) e diretor-gerente da Early Warning: Políticas Públicas e Risco Político (Brasília - DF), colaborador regular d'«O Estado de São Paulo». Pode ser contactado em alex@eaw.com.br.