Cidadãs brasileiras identificaram magistrado do Funchal como um dos clientes regulares. Um dos juízes votou contra.
A vida corria tranquilamente a A., procurador adjunto do Ministério Público do Funchal. Tribunal durante o dia, casa de alterne à noite. Só que uma operação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) junto do bar levou a que algumas das cidadãs brasileiras que ali trabalhavam identificassem A. como um dos clientes habituais. Conclusão: um processo disciplinar que terminou com uma pena de suspensão por 210 dias, que, em Julho deste ano, o Supremo Tribunal Administrativo revogou.
A vida corria tranquilamente a A., procurador adjunto do Ministério Público do Funchal. Tribunal durante o dia, casa de alterne à noite. Só que uma operação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) junto do bar levou a que algumas das cidadãs brasileiras que ali trabalhavam identificassem A. como um dos clientes habituais. Conclusão: um processo disciplinar que terminou com uma pena de suspensão por 210 dias, que, em Julho deste ano, o Supremo Tribunal Administrativo revogou.
De acordo com os depoimentos recolhidos junto das trabalhadoras de tal estabelecimento, o dr. A foi identificado por quatro delas como frequentador regular, "sendo aí conhecida a sua qualidade de magistrado e beneficiando, por isso, de bebida e sexo gratuitos". Uma das cidadãs brasileiras ouvidas, segundo o processo, "fez uma exacta e inequívoca descrição física" do procurador. A auto-intitulada "madame das meninas", por sua vez, confirmou também conhecer o "dr. A. do tribunal".
A situação complicou-se ainda mais para o procurador quando, no dia em que as cidadãs brasileiras testemunharam em tribunal em "declarações para memória futura", uma das suas colegas garantiu tê-lo visto em amena cavaqueira "com uma ou duas das pessoas ligadas àquele bar".
E mais complicada ficou quando uma das alternadeiras disse no processo que chegou a ter relações sexuais com o magistrado "a fim de obter informações sobre um processo que corria contra um dos responsáveis do bar". Mas, apesar de o instrutor do processo disciplinar ter dado crédito ao relato, os juízes-conselheiros do STA consideraram aquela versão como "inverosímil" ou "nitidamente fantasiosa". Primeiro, explicaram, porque o procurador "não era titular de um qualquer processo do género". Depois, "por não se acreditar que a rapariga estivesse à altura de, com êxito, extrair de um magistrado informações secretas", lê-se no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, assinado pelos juízes Jorge Madeira dos Santos (relator), Luís Pais Borges e Rui Manuel Botelho (que votou vencido com a decisão).
O processo disciplinar acabou com uma condenação no Conselho Superior do Ministério Público. 210 dias de suspensão e posterior transferência para uma comarca do distrito judicial de Lisboa. Já aqui, a decisão não foi pacífica. Na reunião de Maio de 2009, votaram contra a pena aplicada Pinto Nogueira, procurador distrital do Porto, Paulo Gonçalves, procurador da República, Edite Pinho, procuradora adjunta, e Barradas Leitão, advogado, membro do CSMP eleito pela Assembleia da República.
O procurador apresentou, pelo menos, dois recursos junto do Supremo Tribunal de Justiça.
No último acórdão, os juízes-conselheiros acabaram por anular a pena, devolvendo o processo disciplinar ao Conselho Superior do Ministério Público. Para esta decisão concorreram dois argumentos: em primeiro lugar, alguns dos factos imputados ao procurador adjunto estavam já prescritos. Seguidamente, o facto de o magistrado frequentar um bar de alterne não faz com que, automaticamente, esteja a violar os seus deveres profissionais. Isto é, sobre o seu comportamento há apenas uma "suspeição" de que possa violar e não a comprovação deste facto.
Quem não partilhou deste entendimento foi o juiz-conselheiro Rui Botelho, que votou contra a decisão, apresentando uma declaração de voto arrasadora para com o procurador do Ministério Público. Começando por dizer que o processo disciplinar deu "como assente" que o magistrado do MP frequentava o bar de alterne e, devido à sua profissão, tinha bebidas e sexo gratuitamente, o juiz-conselheiro considerou que se estava perante uma falha disciplinar.
"Quem suportava os custos pretendia obter compensações e quem deles beneficiava, sabendo que os serviços tinham custos e que aquelas casas existem para dar lucro, não ignorava que só não pagava por ser quem era e que justamente por isso alguma vez poderia ter de retribuir o serviço, porquanto, como também se não ignora, em linguagem corrente, "não há almoços grátis", escreveu o juiz-conselheiro.
Por isto, o juiz-conselheiro Rui Botelho considerou que a ação interposta pelo procurador adjunto do Funchal para anular o acto de condenação do Conselho Superior do Ministério Público deveria, ao contrário do que foi decidido, ser declarada como improcedente.
O processo vai baixar novamente ao Conselho Superior do Ministério Público para que a pena e as conclusões sejam refeitas. Caso o entendimento do Supremo quanto à prescrição dos actos e à ausência de factos que incriminem o procurador se mantenha, o caso pode ser pura e simplesmente arquivado.
in DN, 04.10.2010