Carta aberta a Pedro Passos Coelho
I. José Sócrates e o PS, caro Pedro Passos Coelho, estão a fazer uma chantagem vergonhosa sobre o PSD. Vergonhosa. Porque José Sócrates, para ameaçar o PSD, tem uma arma apontada a Portugal. No fundo, o primeiro-ministro está a dizer isto: "se não fazes o que eu quero, eu disparo e deixo o país no caos". É isto que José Sócrates está a fazer. Não se esperava outra coisa de José Sócrates. Mas, meu caro Pedro, há que conter a raiva que este comportamento de Sócrates provoca. V. Exa. tem de manter a calma, e fazer o que é melhor para Portugal. E isso, na minha opinião, passa pelo seguinte: o PSD deve abster-se na votação do Orçamento do Estado 2011. A sua abstenção é o melhor para as nossas finanças e para a nossa democracia. E, se me permite, passo a explicar porquê.
II. Se o PSD derrubar o Governo, o pior cenário financeiro e económico vai bater à porta. A ausência de liderança política vai criar uma espiral de desconfiança nos mercados que só poderá ser travada pelo FMI. Este cenário poderá não acontecer, mas a sua probabilidade é elevada. Demasiado elevada, e V. sabe disso, com certeza. Além da subida intolerável dos juros da dúvida pública, este cenário poderá levar ainda a um corte de crédito dos bancos à sociedade (ainda mais). Ou seja, a economia pode parar por completo. Quando comparada com este afundamento total da economia, a mini-recessão provocado pela subida do IVA é brincadeirinha, dr. Passos Coelho.
III. E o pior disto tudo é que V. corre o risco de ficar associado à austeridade do FMI, mesmo quando não tem culpas no cartório. E, assim, aconteceria algo pouco digno para a democracia: com o FMI em Portugal, José Sócrates desviaria para o FMI e para o PSD o ónus de 15 anos de governação socialista. Pior: V. corre o risco de recusar um orçamento que aumenta impostos para depois aprovar como primeiro-ministro um "orçamento FMI" que aumenta impostos. Porque, meu caro, se V. vencer as eleições antecipadas em Maio, V. governará com o FMI, e o seu Governo não passará de um faxineiro da sujeira deixada pelo PS. Ou seja, o PSD fará o trabalho sujo que devia ser feito pelo PS. E, assim, mais uma vez, Portugal perderá a oportunidade de ter um Governo reformista, porque V. teve demasiada pressa para chegar ao poder, e porque não deixou que a democracia punisse convenientemente o adversário.
IV. Em suma, caro Pedro, se derrubar agora o Governo, o PSD estará a fazer o jogo do PS. Por outras palavras, o PSD arrisca-se a ficar com a culpa de 15 anos de governação do PS. O PS arruinou Portugal, mas o PSD arrisca-se a ser o mau da fita aos olhos do eleitorado. "Ah, mas foi o PS que arruinou o país". Pois foi, mas o eleitorado não olha para a razão. Olha para quem lhe bate. Isto não é tática política. É a defesa da democracia, caro Pedro. Em democracia, quem governa 15 anos tem de ser julgado, e não pode ter a possibilidade de desviar as suas responsabilidades para x e y.
V. Continuando, caro Pedro . Teixeira dos Santos só disse uma coisa acertada nos últimos tempos: o Governo "surpreendeu os partidos da oposição, principalmente o PSD, que não contava com um corte na despesa desta dimensão" (Expresso). Isto é verdade. Até 28 de Setembro, o Governo manteve o seu autismo habitual, a despesa continuava candidamente a aumentar (e continua), Sócrates dava sinais constantes de que não iria cortar na despesa, e Teixeira dos Santos dava sinais de que iria apresentar um orçamento "normal", e não de "guerra". Ora, sucede que Sócrates e Teixeira dos Santos cortaram na despesa, mesmo em zonas que eram supostamente intocáveis, como a massa salarial da função pública. Portanto, este não é um orçamento qualquer. Aumenta impostos? Pois, pois aumenta. Mas no estado em que o PS deixou isto, ninguém pode jurar que não aumentaria impostos no sentido de atingir os compromissos que temos com os parceiros da nossa moeda (isto é outra coisa que convinha explicar aos portugueses: o euro é a nossa moeda; não é a moeda "deles" lá da Europa). V. conseguia atingir as metas sem aumentar impostos? Pois muito bem: diga onde é possível cortar (a lista de Marques Mendes?) e responsabilize o PS pelo aumento de impostos. O PS é que é Governo.
VI. Este orçamento ainda não repensa a arquitectura do Estado? Pois não. Mas V. não pode esperar que um orçamento faça o trabalho que devia ter sido feito por dezenas de orçamentos. V. queria que um único OE revolucionasse o nosso Estado com décadas e décadas de vícios? Mas, atenção, como disse Daniel Bessa, o OE2011 destruiu as ilusões do regime . O 29 de Setembro é uma espécie de novo ano zero. Por outras palavras, a requalificação do Estado e do Estado Social é uma tarefa para a próxima década, a década que se segue ao 29 de Setembro.
VII. Aliás, é nisso que V. devia estar a pensar: na próxima década, e não no próximo ano. Ou seja, V. devia pegar nos temas que desenvolveu no verão. As mudanças necessárias na estrutura do estado, na saúde, na educação, etc. são os debates que devem ser desenvolvidos agora. Porque a verdade é esta: todos os jornalistas e analistas que atacaram as suas propostas de mudança têm agora de pensar numa coisa: depois do 29 de Setembro, é possível não mudar? Este statu quo é insustentável, e V. teve o mérito de alertar para isso antes de 29 de Setembro. Ao contrário da maioria, eu acho que esse foi o seu melhor momento. V. foi inexperiente e atabalhoado na forma como mexeu em temas quentes (saúde, lei laboral, etc.), mas teve a coragem de mexer. E agora V. está a ver a realidade a dar-lhe razão. Repare numa coisa: a UE já disse a Teixeira dos Santos que ele tem de mudar a lei laboral portuguesa. Mais uma vez, V. tinha razão.
VIII. Portanto, V. já demonstrou ter coragem. Mas agora pede-se realismo . Não pense no próximo ano, pense na próxima década, e prepare uma narrativa que explique às pessoas a necessidade imperiosa da mudança. Estou certo que V. faz esta pergunta aos seus botões: "mas como é que o PS tem ainda 30% nas sondagens?" Eu explico: em tempos de crise, em tempos em que a mudança começa a ser inevitável e "forçada", as pessoas têm medo e agarram-se ao que têm. O PS é o partido que capitaliza esse medo da mudança. Caro Pedro, mostre às pessoas que a mudança, além de ser inevitável, é justa e algo que melhora a vida das pessoas. Caramba, se isto está tão mal, porque carga de água não podemos mudar?
Henrique Raposo
V. Continuando, caro Pedro . Teixeira dos Santos só disse uma coisa acertada nos últimos tempos: o Governo "surpreendeu os partidos da oposição, principalmente o PSD, que não contava com um corte na despesa desta dimensão" (Expresso). Isto é verdade. Até 28 de Setembro, o Governo manteve o seu autismo habitual, a despesa continuava candidamente a aumentar (e continua), Sócrates dava sinais constantes de que não iria cortar na despesa, e Teixeira dos Santos dava sinais de que iria apresentar um orçamento "normal", e não de "guerra". Ora, sucede que Sócrates e Teixeira dos Santos cortaram na despesa, mesmo em zonas que eram supostamente intocáveis, como a massa salarial da função pública. Portanto, este não é um orçamento qualquer. Aumenta impostos? Pois, pois aumenta. Mas no estado em que o PS deixou isto, ninguém pode jurar que não aumentaria impostos no sentido de atingir os compromissos que temos com os parceiros da nossa moeda (isto é outra coisa que convinha explicar aos portugueses: o euro é a nossa moeda; não é a moeda "deles" lá da Europa). V. conseguia atingir as metas sem aumentar impostos? Pois muito bem: diga onde é possível cortar (a lista de Marques Mendes?) e responsabilize o PS pelo aumento de impostos. O PS é que é Governo.
VI. Este orçamento ainda não repensa a arquitectura do Estado? Pois não. Mas V. não pode esperar que um orçamento faça o trabalho que devia ter sido feito por dezenas de orçamentos. V. queria que um único OE revolucionasse o nosso Estado com décadas e décadas de vícios? Mas, atenção, como disse Daniel Bessa, o OE2011 destruiu as ilusões do regime . O 29 de Setembro é uma espécie de novo ano zero. Por outras palavras, a requalificação do Estado e do Estado Social é uma tarefa para a próxima década, a década que se segue ao 29 de Setembro.
VII. Aliás, é nisso que V. devia estar a pensar: na próxima década, e não no próximo ano. Ou seja, V. devia pegar nos temas que desenvolveu no verão. As mudanças necessárias na estrutura do estado, na saúde, na educação, etc. são os debates que devem ser desenvolvidos agora. Porque a verdade é esta: todos os jornalistas e analistas que atacaram as suas propostas de mudança têm agora de pensar numa coisa: depois do 29 de Setembro, é possível não mudar? Este statu quo é insustentável, e V. teve o mérito de alertar para isso antes de 29 de Setembro. Ao contrário da maioria, eu acho que esse foi o seu melhor momento. V. foi inexperiente e atabalhoado na forma como mexeu em temas quentes (saúde, lei laboral, etc.), mas teve a coragem de mexer. E agora V. está a ver a realidade a dar-lhe razão. Repare numa coisa: a UE já disse a Teixeira dos Santos que ele tem de mudar a lei laboral portuguesa. Mais uma vez, V. tinha razão.
VIII. Portanto, V. já demonstrou ter coragem. Mas agora pede-se realismo . Não pense no próximo ano, pense na próxima década, e prepare uma narrativa que explique às pessoas a necessidade imperiosa da mudança. Estou certo que V. faz esta pergunta aos seus botões: "mas como é que o PS tem ainda 30% nas sondagens?" Eu explico: em tempos de crise, em tempos em que a mudança começa a ser inevitável e "forçada", as pessoas têm medo e agarram-se ao que têm. O PS é o partido que capitaliza esse medo da mudança. Caro Pedro, mostre às pessoas que a mudança, além de ser inevitável, é justa e algo que melhora a vida das pessoas. Caramba, se isto está tão mal, porque carga de água não podemos mudar?
Henrique Raposo