A linha divisória entre estes dois "partidos" é em parte ideológica: a saída do euro é defendida na extrema-esquerda, em termos anticapitalistas, e na extrema-direita, numa base nacionalista. Mas não só. Os milhares de gregos que colocaram as suas reservas na Suíça apostam num regresso à dracma, denuncia a imprensa. Poderiam então comprar "o património nacional a preço de saldo". Também serão tentados pela dracma muitos lobbies que temem que as reformas impostas pela UE destruam o sistema de clientelismo e a impunidade fiscal em que prosperaram.
Os gregos conhecem o preço da opção. Christophoros Passaridis, o cipriota Nobel da Economia, avisa-os: o eventual regresso à dracma levaria a uma desvalorização monetária na ordem dos 60%, muito mais violenta do que os cortes da troika.
A Grécia não é "a preto e branco". As imagens do fogo em Atenas, transmitidas pela televisão para o mundo inteiro, produzem uma mistificação. A situação social é certamente explosiva. Mas convém lembrar que as vagas de violência em Atenas são sempre promovidas por um ou dois milhares de encapuzados, fardados de negro, que se reclamam do "anarquismo". O problema é que desta vez eram mais do que o costume, o que inquieta os editorialistas.
O jornalista ateniense Nikos Chrysoloras lembra no Guardian que houve 100 mil manifestantes na rua, na maioria pacíficos, e que mais de quatro milhões de atenienses não aderiram ao protesto. Para Chrysoloras, o que seguramente lançaria o caos na Grécia e provocaria uma onda de desestabilização no Mediterrâneo Oriental, com graves consequências para a Europa, seria a sua saída do euro.
Resumi, na semana passada, o olhar que os gregos têm sobre a origem da crise nacional e o seu "irreformável" sistema político, económico e social. Esta semana foi marcada por espetaculares atos de contrição.
No discurso da noite de domingo, antes da votação do memorando, o antigo primeiro-ministro Giorgios Papandreou declarou: "O nosso sistema político é coletivamente responsável por todos os funcionários que nós empregámos por favoritismo, pelos privilégios que nós concedemos por lei, pelas exigências escandalosas que nós satisfizemos, pelos sindicalistas e homens de negócios que nós favorecemos e pelos ladrões que não metemos na cadeia."
Os gregos dizem que não tinham a noção de que viviam acima das posses. Respondendo a esta queixa, escrevia ontem, no diário Ta Nea, o economista Panayotis Ioakeimidis, professor da Universidade de Atenas: "Todos partilhamos a responsabilidade. Mas um reformado que recebe 500 euros por mês não conhecia e não era obrigado a conhecer o montante da dívida na percentagem do PIB, nem a data de vencimento das obrigações, nem o momento em que os mercados financeiros fechariam as portas a um país que despudoradamente não deixava de pedir emprestado."
Quem é responsável? "O problema da Grécia não é económico. É profundamente político e cultural. São o sistema e o mundo políticos que, em primeiro lugar, têm responsabilidade pela crise que assola a Grécia. De resto, todos temos uma parte da responsabilidade, maior ou menor. E a dos economistas é grande."
A dois meses das eleições (29 de Abril ou 6 de Maio), os partidos políticos começam a estilhaçar-se. De momento, a Nova Democracia, de Antonis Samaras, afastada do poder em 2009, beneficia da implosão do Pasok, de Papandreou e de Evangelos Venizelos, atual ministro das Finanças, que surge nas sondagens na casa dos 8% a 12%. Explicou ao Monde o politólogo George Sefertzis: "Há dois partidos em cada um deles: um centrista e um populista. Estão em vias de implosão. A crise enfraquece a classe média e o sistema clientelista que acompanhou a sua progressão." A recomposição do quadro político levará tempo e é uma incógnita. O jornal To Vima teme a depressão do centro moderado e o reforço dos pólos, "a direita popular" e a "esquerda populista".
O ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, tem razão em dizer que o seu país não está disposto a meter mais dinheiro "num poço sem fundo". Mas não pode, por exemplo, insinuar a vontade de fazer adiar as eleções na Grécia. Entre gregos e alemães houve dois anos de jogo perverso. Berlim demorou a agir, seguindo a vontade alemã de punir os gregos, e permitiu que a crise se generalizasse à zona euro. Para evitar a bancarrota, Atenas aprovou acordos que não tencionava cumprir. E, de facto, dado o "sistema grego", os políticos dificilmente poderiam fazer reformas, sob pena de harakiri eleitoral. Assiste-se hoje - talvez demasiado tarde - a um vislumbre de mudança na Grécia, graças à percepção da iminente falência.
A semana foi também marcada por uma escalada verbal entre Berlim e Atenas. Os gregos dizem-se insultados por declarações alemãs e ameaçados pela suposta vontade de Berlim os afastar do euro. "Não humilhem os gregos", apela no New York Times o jornalista Alexis Papahelas, director do Kathimerini. Sobretudo quando a Grécia percebeu que tem de mudar.
Não é apenas a crise do euro ou a queda da Grécia que estão em cima da mesa. Está em gestação uma crise política à escala europeia, entre soberanias nacionais e decisões comunitárias. Os mecanismos democráticos funcionam a nível nacional e não a nível comunitário. Em épocas de expansão, é fácil conciliar as decisões democráticas nacionais e as decisões intergovernamentais da UE. Em épocas de crise, o risco de conflito é muito elevado. Os políticos, tanto nos "países do Sul" como nos "países AAA", estão sob crescente pressão das opiniões públicas, logo dos eleitorados. Às reacções antigregas e anti-Sul, pode suceder-se uma vaga de reacções anti-alemãs. Seria a mais rápida via de desagregação da UE.
O primeiro-ministro italiano, Mario Monti, e uma eurodeputada francesa, Sylvie Goulard, escreveram há dias: "Entre as questões que a crise actual suscitou, nenhuma é mais importante e nenhuma é menos debatida do que a democracia na Europa." É o recado da semana.
Jorge Almeida Fernandes
in «Público» 18.02.2012