22/10/2011

Desvio colossal

Para quem estiver interessado em saber no que consiste o desvio inesperado das contas públicas:
"Para o ano de 2011 o desvio previsto é da ordem de 2 pontos percentuais do PIB (cerca de 3.400 milhões de euros). Como explicar este desvio? Uma parte significativa do desvio, estimado para o conjunto do ano, deve-se a uma redução menor do que a esperada nas remunerações certas e permanentes (em cerca de 300 milhões de euros). Esta evolução resulta do não cumprimento dos objetivos de redução dos efetivos e a desvios específicos na Educação, Administração Interna e Defesa.

Do lado da despesa acrescem 560 milhões em consumos intermédios (dos quais 335 milhões em comissões pagas pelos empréstimos associados à ajuda internacional). Do lado da receita estima-se um desvio de quase 800 milhões de euros em outras receitas correntes. Este valor decorre de menores contribuições para a Segurança Social, receitas próprias no Ministério da Justiça e dividendos de participações do Estado. Acresce ainda o impacto dos custos da recapitalização do BPN, uma deterioração superior ao esperado da situação financeira do Sector Empresarial do Estado e a não realização de vendas de concessões e património como previsto. Estes desvios somam cerca de 2800 milhões de euros, isto é, aproximadamente 5/6 do total. O restante é explicado por operações ligadas a responsabilidades do sector empresarial da Região Autónoma da Madeira." in Relatório Orçamento de Estado 2012 -Ministério das Finanças

Fazendo então as contas:

1º - Apuramos as responsabilidades do sector empresarial da Região Autónoma da Madeira (e que vamos pagar esperando que seja só este valor) 
3.400 milhões - 2.800 milhões = 600 milhões de euros

2º - Redução menor do que esperado nas remunerações certas e permanentes na Educação, Administração Interna e Defesa - 300 milhões de euros

OBS.: O próprio texto refere que não houve a redução de efetivos esperada, i.e., não se despediram pessoas em pelo menos 2 setores absolutamente dispensáveis, a Educação e a Administração Interna (polícia e segurança). Na Defesa, pensa-se que o desvio pode ser explicado pelas verbas derivadas de promoções de carreira unilateralmente tomadas pela hierarquia militar e que o Governo optou por não obrigar à sua devolução.

3º - Desvio nas receitas correntes (arrecadou-se menos na Segurança Social, no Ministério da Justiça e nos dividendos de participações do Estado) - 800 milhões de euros. 

OBS.: É lógica a diminuição de receitas na segurança social por via do aumento do desemprego, da falência de empresas e da diminuição do lucro de empresas participadas, pelas medidas de austeridade impostas pelo PEC III de José Sócrates. O que se deverá esperar então para 2012, algo diferente?

4º - Acréscimos do lado da despesa em consumos intermédios - 225 milhões de euros. Os restantes 335 milhões são comissões pagas pelos empréstimos da ajuda internacional. 

OBS.: Ter-se-ão esquecido de fazer as contas depois de terem assinado o memorando da Troika?

Apuremos então um total parcial:
600+300+800+225+335 = 2.260 milhões de euros.

5º - Faltam então detalhar 1.140 milhões de euros, imputados aos "custos da recapitalização do BPN, uma deterioração superior ao esperado da situação financeira do Sector Empresarial do Estado e a não realização de vendas de concessões e património como previsto". 

Estranhamente não se consegue encontrar em lado algum números concretos de cada uma daquelas parcelas. No entanto, numa entrevista recente, a Secretária de Estado do Tesouro referiu que parte do custo de recapitalização do BPN estava inscrita no OE 2012 e ascenderia a cerca de 550 milhões de euros. OBS.: A recapitalização do BPN nos moldes em que está, foi decisão desde Governo aquando do acordo com o BCI para a sua reprivatização e espera-se que tenha sido este mesmo o valor inscrito. De qualquer forma o "buraco" no BPN é de 2,75 milhões de euros e deverá ser amortizado nos anos seguintes...

6º - Continuam a faltar detalhes para 590 milhões de euros, segundo o Governo derivado dos prejuízos da empresas públicas, da não realização de concessões e da não venda de património. 
OBS.: Foi este Governo que decidiu suspender, eventualmente muito bem, várias concessões que estavam previstas. Quanto à venda do património não é possível vendê-lo ainda este ano?
Não se faz qualquer comentário quanto à imputação de responsabilidades, mas, o mais importante nesta altura, é a discussão de três questões fundamentais:
  1. Se se aumentam impostos e reduzem-se salários, reduz-se a massa monetária em circulação, logo provoca-se uma redução do consumo e a retração das poupanças. Quais as implicações que terá na venda de produtos e serviços das PME portuguesas?
  2. É possível fazer crescer a economia ao mesmo tempo que se corta no défice e se reduzem drasticamente investimentos públicos, em pleno período de recessão mundial? Dito de outro modo, com medidas fortemente recessivas e os bancos a necessitar de recapitalização porque não têm liquidez, não emprestando dinheiro à empresas, é possível relançar a economia?
  3. Admitindo que todas as medidas tomadas darão certo na redução do défice nos prazos previstos no acordo da Troika, de onde virá o dinheiro para promover o investimento e o crescimento da economia, já que as famílias e as empresas estarão enxagues?