Quando o Governo decidiu cortar, em 2013, dois subsídios aos funcionários públicos, a medida foi considerada «inevitável» pela maioria dos comentadores.
O que se discutiu foram, essencialmente, as «excepções», ou seja, o facto de o Banco de Portugal, a TAP ou a CGD ficarem de fora.
Mas o Tribunal Constitucional decidiu – irresponsavelmente, quanto a mim – chumbar a medida, e tornou-se necessário encontrar uma alternativa.
Que foi, grosso modo, estender os sacrifícios a todos – públicos e privados.
Desapareceram as ‘excepções’.
Funcionários públicos e funcionários privados foram atingidos pelos cortes.
Face à ‘previsibilidade’ da decisão, anunciada por Passos Coelho na sexta-feira passada, era de admitir que não levantasse excessiva polémica.
Foi, pois, com estupefação que, no regresso de férias, encontrei um ambiente de histeria colectiva, como se tivesse ocorrido uma catástrofe.
Ou como se Portugal tivesse entrado em guerra.
Vi noticiários na TV que eram verdadeiras peças de propaganda: colavam-se opiniões de comentadores umas às outras, seleccionadas criteriosamente com a mesma orientação: bater forte e feio no Governo.
Os jornalistas perderam a cabeça e até o sentido do ridículo.
Um jornal diário escrevia num editorial não assinado: «Sr. primeiro-ministro, os 5,5 mil milhões que visa obter com esta insanidade política desenham sobre os céus de Portugal, em cego galope, dois cavaleiros do apocalipse. Fome e Morte, em sentido literal».
Mas o que é isto?
Os funcionários públicos podiam arcar com os sacrifícios mas os privados já não podem?
Era aceitável tirar dois subsídios aos funcionários públicos, mas cortar o equivalente a um subsídio aos privados já é intolerável?
Ajudem-me a perceber.
As pessoas indignam-se com o aumento de impostos mas, simultaneamente, recusam medidas que podem aliviar a despesa do Estado.
Recusam os despedimentos na Função Pública.
São contra as dispensas de professores.
Não aceitam as taxas na Saúde ou a redução de despesas nos hospitais.
Contestam os cortes de subsídios às fundações.
Levantam-se contra a privatização da RTP.
Ou seja, são contra os impostos mas também são contra decisões que podem reduzir a despesa do Estado (e, portanto, aliviar os impostos).
Assim, nada feito.
Para compensar a austeridade, a oposição reclama ‘crescimento económico’.
Ora quem é contra o crescimento económico?
Ninguém.
Sucede que o crescimento não depende do Governo – depende das empresas.
São as empresas que criam riqueza e criam emprego.
Assim, as propostas da oposição para dinamizar a economia acabam por se resumir à exigência de mais investimento público, de mais subsídios, de mais facilidades, de mais apoios.
Mas isso, a prazo, terá o efeito exactamente contrário – porque o Estado, para fazer essas obras, para dar esses apoios, precisa de mais dinheiro.
E tal traduzir-se-á no agravamento dos impostos.
O caricato é que a única medida incluída neste pacote que visa dar um sinal de incentivo à economia (a descida da TSU para as empresas) também é criticada pelos que reclamam o crescimento!
Mas, no fim de contas, tudo isto é normal.
Ninguém fica satisfeito por lhe cortarem o salário.
E os partidos da oposição e os sindicatos não podem deixar passar oportunidades como esta para explorar o descontentamento popular.
A verdade é que nunca houve grandes correcções orçamentais nem alterações estruturais sem protestos a sério.
Se não fosse assim, não seria preciso coragem para as fazer.
Esperemos, agora, que o Governo não recue perante as dificuldades e as críticas brutais de que é alvo.
Porque muitos portugueses ainda não perceberam que a alternativa a estes cortes não é menos austeridade, como alguns prometem; a alternativa a estes cortes é a bancarrota.
E aí as pessoas não perderão 7% do seu salário, nem 10%, nem 20% – perderão 50% ou mais e verão as suas economias sumir-se pelo esgoto abaixo.
Isto, sim, mete medo.
E pode vir a acontecer, se a irresponsabilidade de uns quantos interromper a meio a única política sustentável a prazo.
http://sol.sapo.pt/inicio/Opiniao/interior.aspx?content_id=59249