09/09/2013

O aborto e a coragem de Francisco I

Uma mulher italiana, Anna Romano, mantinha uma relação amorosa com um homem casado. Numa das incursões fora da cerca, o sujeito engravidou a Sra. Romano, que entrou em desespero. Estando sozinha, o que iria fazer com o bebé? O pai recusou de imediato ajudas e paternidades. Como sustentá-lo? Como lidar com o síndrome do bastardo?

Apelando a muita fé, Anna enviou uma carta ao Papa, expondo o seu desespero e a possibilidade de aborto. Não esperava resposta, era só um desabafo teológico. Mas Anna foi tocada não pela graça, mas pela preocupação do Papa em relação a este problema. Francisco I pegou no telefone e ligou directamente para esta crente dividida entre a crença e a vidinha.



O que disse Francisco? Começou por acalmá-la com o expetável, calma, minha filha, o aborto é sempre um mal a evitar, um bebé é sempre "um sinal da Providência". Anna iluminou-se com o inesperado telefonema, "ele encheu-me o coração" e o aborto deixou de ser opção. Mas a mudança de agulhas não se deveu apenas ao espectável discurso da "Providência". Na conversa, Anna deixou claro que uma das causas da tristeza e da confusão estava no facto de não poder baptizar o seu bebé, uma vez que é divorciada, uma vez que seria mãe solteira de um bebé cujo pai estava casado com outra mulher.

Por outras palavras, Anna estava com receio de ser ostracizada pela sua própria comunidade católica. E foi aqui que entrou em cena o golpe de asa de Francisco: o Papa não só explicou que o batismo seria possível como até se ofereceu para ser padrinho da criança.
O caso não é um pormenor, porque ataca de frente uma das grandes hipocrisias dos católicos penteadinhos que se julgam donos da fé e da Igreja: de manhã, incitam as jovens a assumir a gravidez, reafirmando (e bem) uma posição contrária à banalização do aborto; à tarde, recusam baptizar as crianças das raparigas que recusaram o aborto, pois consideram ilegítimos bebés nascidos fora do casamento. A hipocrisia é tremenda.

Uma rapariga solteira e pobre resiste ao aborto, tem a coragem para assumir a gravidez, mas depois é desprezada pelos penteadinhos da paróquia. Os padres recusam batizar a criança e o rebanho penteadinho olha de lado para a "galdéria" e para o "bastardo".

Tendo esta cena farisaica como pano de fundo, o exemplo de Francisco volta a encurtar a distância entre a Igreja e o verdadeiro espírito crístico. Jesus Cristo nunca abandonaria uma mulher com um filho nos braços. Não lhe recusaria a salvação nem a pertença ao rebanho.

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Henrique Raposo

Expresso, 09.09.2013