03/05/2012

A regra de ouro

O problema mais grave do país é o problema do financiamento externo. Nenhum partido "de" governo o pode ignorar. Esse problema não tem solução, sem se restabelecer a confiança na sustentabilidade das finanças públicas portuguesas dentro da zona euro. Nesta perspetiva, é fundamental o entendimento entre os três principais partidos de governo sobre o novo tratado e sobre a forma de aplicar, no ordenamento jurídico português, a chamada "regra de ouro". Essa regra só é de "ouro", se o compromisso em que se funda tiver um horizonte de existência para além da maioria de turno ou da legislatura. Por outras palavras, exige um compromisso que só a Constituição ou lei orgânica podem garantir, ou seja, precisa do PS.
É mais fácil entender a inevitabilidade deste compromisso, percebendo como se chegou aqui.

Em Junho de 2009, o ano da grande recessão, a três meses de eleições legislativas, o Parlamento alemão aprovou uma reforma constitucional incluindo uma "norma travão" ao défice e à dívida pública. A proposta foi apresentada pelo então ministro das Finanças do SPD, Steinbruck, no Governo de "grande coligação", entre sociais-democratas e democratas-cristãos. Pouco importância se deu então em Portugal, como no resto da Europa, a essa decisão, unilateral, que acabaria por ter um impacte significativo no desenvolvimento da crise europeia.

Enquanto entre nós se assistia a uma das mais negras campanhas eleitorais de que há memória na nossa democracia, na Alemanha, os principais partidos entendiam-se, discretamente, sobre uma questão controversa, colocando o que entendiam ser os interesses do país acima dos interesses eleitorais. (Este mesmo sentido de compromisso se verificou também em Espanha, quando o Governo do PSOE e o PP decidiram fazer a mesma reforma em 48 horas, em plena campanha eleitoral, em Novembro passado.)

Quando o Governo alemão e os principais partidos de governo aceitaram limitar-se politicamente, em matéria fiscal e orçamental, deram um claro sinal aos mercados, reconhecendo que o seu nível de endividamento, como o de outros países europeus, se tornara um problema, mas que na Alemanha se assumia o compromisso nacional de o controlar, a prazo. A partir de Setembro desse ano, 2009, os spreads das obrigações de dívida pública dos países da zona euro e os seguros de risco associados passaram a divergir em relação às obrigações de dívida pública alemã. Os mercados financeiros começavam a avaliar diferenciadamente, as condições de sustentabilidade da dívida pública de cada Estado da zona euro, tendência que a crise grega acentuou, depois de o novo Governo assumir o "engano" das suas contas públicas.

Era previsível que, se a Alemanha se auto-limitava em termos de despesa pública, não poderia deixar de exigir o mesmo, mais cedo ou mais tarde, aos outros membros da união monetária. Por isso a "regra de ouro" se tornou a pedra angular do novo tratado e simultaneamente, para além das pertinentes questões ideológicas e teóricas que suscita, o seu principal problema político.

Foi neste contexto que, em Maio de 2010, uma ou duas semanas depois do resgate da Grécia, perante a frágil situação do país, com uma dívida a caminho dos 90% do PIB, uma economia em recessão e a instabilidade política decorrente de um governo minoritário, sugeri, em entrevista aoDiário Económico, que se seguisse o exemplo da Alemanha, adoptando uma regra equivalente. As reacções foram, contudo, muito críticas tanto da parte do PS, como da parte do PSD, sublinhe-se.

É evidente que a "regra de ouro" do equilíbrio orçamental, por si só, não resolve os problemas. Se estudos recentes mostram que o crescimento da economia é fortemente condicionado por uma dívida excessiva, também se sabe que, sem crescimento económico, não há solução para uma dívida elevada que não passe, mais cedo ou mais tarde, por uma... reestruturação. Fica a faltar, por isso, uma outra "regra de ouro para o crescimento e emprego, sem a qual este tratado será ineficaz no seu objetivo de garantir a estabilidade do euro. 

Contudo, para Portugal, hoje como ontem, recuperar a confiança externa impõe uma actuação coerente sobre as expectativas dos mercados relativamente à sustentabilidade da dívida externa. O que passa necessariamente pela existência de um verdadeiro compromisso nacional para a controlar, dependente do entendimento entre os principais partidos de governo sobre a estratégia que possa garantir a nossa posição futura no euro e no processo europeu.

Decorridos dois anos, é aqui que ainda estamos.

Luís Amado, economista, ex-Ministro dos Negócios Estrangeiros
in «Público», 10-04-2012