Todos os dias há debates nas televisões.Diz-se, por isso, que as pessoas estão hoje muito mais bem informadas. Eu constato o contrário: as pessoas estão mais baralhadas.
E porquê?
Porque esses debates criam nos telespectadores a ideia de que todas as opiniões são igualmente válidas. Por motivos de isenção, as televisões colocam no mesmo plano as intervenções mais fundamentadas e sensatas e as mais demagógicas, infundadas ou mesmo disparatadas.
E assim, fica a ideia de que todas as opiniões valem o mesmo e são aceitáveis.
Ora isso não é verdade: nem todas as opiniões valem o mesmo, nem todas são igualmente respeitáveis.
Há umas mais certas do que outras.
Hoje é raro o debate televisivo em que não vem à baila a «senhora Merkel».
A 'senhora Merkel' é o bombo da festa de muitos opinadores, dos mais importantes aos mais insignificantes.
Julgo que aqui há uma ponta de machismo: porque se diz «a senhora Merkel» e não se diz «o senhor Sarkozy»?
Só por ela ser mulher? E por que se diz «a senhora Merkel» e não se diz «a senhora Ségolène Royal» ou «a senhora Martine Aubry»? Só por Angela Merkel ser 'de direita'?
Mas, machismo ou ideologia à parte, ainda não percebi o que quererão as pessoas que constantemente a criticam. Acham que ela deveria usar ano após ano o superavit da Alemanha para compensar os défices dos países do Sul?
Acham que deveria dispor dos impostos dos alemães para pagar a falta de rigor financeiro dos gregos, portugueses, italianos ou espanhóis? E já agora: acham saudável que um país viva com um défice permanente? Gaste recorrentemente acima das suas possibilidades?
Há quem pense que Angela Merkel deveria ser uma espécie de Madre Teresa de Calcutá da política europeia. Só que, mesmo que o quisesse, os alemães não lho permitiriam. Nenhum povo aceita estar constantemente a trabalhar para outros.
Isso pode acontecer num momento excepcional – um terramoto, um conflito armado, um cataclismo financeiro -- mas nunca de forma permanente.
Por isso, os povos têm de se haver por si: têm de viver de acordo com aquilo que produzem, só se endividando para conseguirem produzir mais e não para poderem consumir mais.
A regra tem de ser esta.
Outra crítica habitual nos dias de hoje tem que ver com a preponderância do eixo franco-alemão.
Com o facto de as grandes decisões na Europa serem aparentemente tomadas em encontros Merkel-Sarkozy. Ora isso era inevitável a partir do momento em que a União Europeia começou a crescer descontroladamente.
Recorde-se que, quando Portugal entrou, havia 10 países – e agora há 27.
Os mecanismos de decisão tornaram-se muitíssimo mais difíceis, conseguir consensos tornou-se uma tarefa ciclópica.
Com uma Europa a 27, de duas, uma: ou não se conseguiriam tomar decisões em tempo útil ou os grandes desbravavam caminho e se entendiam para andar para a frente, devendo depois os outros segui-los.
É isto que está a acontecer.
Critica-se, neste aspeto, Durão Barroso.
Diz-se que ele perdeu a liderança europeia e se deixa quase sempre ultrapassar.
Ora é necessário perceber o seguinte: enquanto Merkel e Sarkozy têm um poder real, são os governantes eleitos pelos cidadãos das duas maiores nações do continente, Durão Barroso tem um poder delegado.
Enquanto os outros têm atrás deles a força de dois grandes Estados, Durão tem uma estrutura burocrática.
Por isso, não está no mesmo plano de Merkel e Sarkozy – e sou levado a pensar que o seu papel vai mudar.
Durão Barroso vai tender cada vez mais a ser, na União Europeia, 'a voz dos mais fracos'.
Os países pequenos e médios da União não poderão, só por si, bater o pé à França e à Alemanha. Mas Durão pode fazê-lo em nome deles.
A Europa, neste momento, com o Ocidente em crise e ameaças vindas de toda a parte, tenderá a ser governada por uma troika.
Uma troika em que Merkel e Sarkozy irão concertando posições – e Durão Barroso representará os anseios dos mais pequenos. Durão Barroso já está, informalmente, a desempenhar este papel.
Nas últimas semanas tem constituído uma espécie de contrapeso ao eixo franco-germânico (recolhendo, por isso, os aplausos do Parlamento Europeu).
Mas não se lhe peça o que, humanamente, ele não pode fazer: sobrepor-se à França e à Alemanha. Perante a força, não há argumentos que vençam.
E já agora deixem de dizer «a senhora Merkel».
José António Saraiva
in «Sol», 21.11.2011