O 11 de Setembro foi um acontecimento trágico e impressionante que levou os contemporâneos a pensar que o mundo entrara numa nova era. Não foram apenas os neoconservadores americanos a pensá-lo. "Depois do 11 de Setembro de 2001, entrámos numa espécie de terceira guerra mundial, de novo tipo, que se caracteriza por conflitos permanentes em que se imbricam guerras regionais, crises que ameaçam as grandes potências e um terrorismo de massa" - declarava o francês Pierre Lellouche em Março de 2003, no momento da invasão do Iraque.
O atentado criou a imagem de um mundo imprevisível e incontrolável. O "mundo muda porque a América mudou", corrigiu o historiador britânico Timothy Garton-Ash: o ataque traumatizou uma América até então segura e invulnerável dentro das suas fronteiras. Os americanos passaram do optimismo dos anos 90 - resultado da vitória na Guerra Fria e da globalização económica - para uma era de medo, fúria e desmesura. O 11 de Setembro teve enorme impacto político a curto prazo. Fez mudar as prioridades da Administração Bush, então focadas no plano interno. A sua política externa centrava-se na Rússia e na China e o terrorismo não era uma preocupação excessiva. Bush respondeu ao desastre com a "guerra global ao terror", visando não apenas a Al-Qaeda mas o "terrorismo global".
O trauma deu lugar a uma vertigem de sucesso. Mudaram as relações dos EUA com o mundo. Fraturou-se a velha aliança ocidental da Guerra Fria, dividiu-se a Europa. Os EUA invadiram o Iraque para a seguir lançarem o programa de "mudança de regime" no "Grande Médio Oriente". Se o ataque ao Afeganistão foi uma resposta à Al-Qaeda, já o Iraque é uma "guerra de opção".
Dez anos depois, há a noção clara de que 2001 é um grande momento trágico, mas não fundador de uma nova ordem (ou desordem) mundial como o foram 1945 ou 1989-91. O fim da II Guerra Mundial criou uma ordem bipolar - EUA/URSS - em volta da qual se teciam as relações internacionais. A queda do Muro de Berlim (1989) e a dissolução da URSS (1991) encerraram esse mundo bipoloar, mudando pela raiz o mapa geopolítico.
Não se trata de minimizar o impacto do 11 de Setembro na cena internacional, mas de corrigir "a natural tendência [da época] para dizer que os ataques mudaram tudo" (Melvyn Leffler, Foreign Affairs).
O declínio americano
Quando se compara o mundo de 2011 com o de 2001, os analistas constatam que, em dez anos, os EUA sofreram uma extraordinária perda do poder político global que detinham na véspera do 11 de Setembro. Se os Estados Unidos projetavam em 2001 uma imagem de poderio quase ilimitado, no segundo mandato de Bush começou a discussão sobre o "declínio americano". Devemos ter o cuidado de não tomar a cronologia por causalidade.
Há duas datas marcantes na mudança de ótica. Em 2006, o relatório Baker-Hamilton destruía o mito de que "estamos a vencer" no Iraque e enterrava a "guerra ao terror", sugerindo como saída uma "ofensiva diplomática geral" - o que, relutantemente, Bush começará a fazer.
A segunda data é 2008, o ano da falência do Lehman Brothers, que quase fez ruir o sistema financeiro e pôs em causa a credibilidade do modelo capitalista americano. A Foreign Affairs publicou um número intitulado - "Está a América em declínio?" O National Intelligence Council concluía no seu estudo de prospetiva - Global Trends 2025: "Apesar de os Estados Unidos permanecerem como principal potência, a dominação americana será severamente reduzida." A erosão da supremacia "será acelerada nas áreas política, económica e, possivelmente, cultural".
A invasão do Iraque - agravada pela imagem de Guantánamo e Abou Ghraib - enfraqueceu a posição estratégica dos Estados Unidos no Médio Oriente, em benefício do Irão, e afetou drasticamente a sua credibilidade política no mundo. É, no entanto, um factor de segundo plano no declínio do "poder global" americano.
O grande fator é a ascensão da China. A deslocação do centro do mundo para a Ásia e a concorrência económica e política das novas potências emergentes - da Índia ao Brasil - foram drasticamente aceleradas pela crise de 2008.
Os EUA atravessam uma crise económica e uma guerra de valores - a do Tea Party -, mas enfraquecimento não é sinónimo de declínio. Num best-seller de 2008 - O Mundo Pós-Americano -, o jornalista Fareed Zakaria equacionava o problema: "Como pode a América sobreviver à ascensão do resto?" Mais que declínio, os EUA defrontam-se com uma inédita limitação do seu poder na arena internacional.
Em Washington, os "China firsters" triunfaram sobre os "Al-Qaeda firsters" do primeiro mandato de Bush. É o regresso à geopolítica após o parênteses da "guerra ao terror". A China é o problema. A ameaça mudou. Advertia em 2010 o almirante Mike Mullen, chefe do Estado-Maior Interarmas: "A maior ameaça à nossa segurança nacional é a nossa dívida."
"O 11 de Setembro é um importante acontecimento, mas não foi a causa de nenhuma viragem maior na geopolítica, nem de nenhuma viragem maior na geo-economia", conclui o analista americano David Rothkopf. Importantes são a crise de 2008 e a ascensão da China e dos "emergentes".
Bin Laden
O terrorismo - "a deliberada criação e exploração do medo para obter resultados políticos" - não desapareceu. Uma das lições do 11 de Setembro é que, quando se trata de terrorismo, nunca se pode excluir a mais improvável hipótese, lembra o investigador Bruce Hoffman. Mas deixou de servir de fundamento da estratégia política, como durante a "guerra ao terror global".
Analistas americanos falaram em vitória de Bin Laden. O 11 de Setembro, "enquanto ato de terrorismo, acto criminoso, foi um sucesso. Revelou um milhão de falhas no sistema de segurança nacional e isto foi catastrófico para o país, em termos psicológicos e custos humanos", frisa o historiador Julian Zelizer. Acrescenta o analista Stephen Walt: "Um dos primeiros objectivos [de Bin Laden] era atrair os EUA para custosas e prolongadas guerras no mundo muçulmano e, com a nossa ajuda, conseguiu-o." Rothkopf sublinha o "exagero de reação", o atoleiro do Iraque e a prática da tortura: "O objetivo do terrorismo é agir e esperar que isso suscite uma resposta do inimigo que lhe provoque mais danos do que o acto inicial."
Foi um vitória de Pirro. A Al-Qaeda falhou radicalmente: não conseguiu derrubar nenhum governo árabe ou muçulmano, o seu supremo objetivo estratégico. Bin Laden foi morto em Maio. Já era "irrelevante" no mundo árabe. Rached Gannouchi, líder islamista tunisino, disse que Bin Laden "morreu na Tunísia", em Janeiro. As "revoluções árabes" mostram quão longe vai o universo do 11 de Setembro.
Jorge Almeida Fernandes
in «Público», 11.09.2011